quarta-feira, julho 14, 2010

Guiné Equatorial na CPLP?

Desde que, há 2 ou 3 semanas atrás,surgiu a notícia sobre a possibilidade de a Guiné Equatorial ser admitida como membro de pleno direito na CPLP na próxima cimeira de Chefes de Estado e de Governo que se realizará em Luanda no próximo dia 23, várias personalidades e organizações manifestaram publicamente o seu repúdio pela admissão de um regime ditatorial na comunidade dos países de língua oficial portuguesa.

Damos aqui notícia de três iniciativas, sabendo que mais serão divulgadas em breve:

1. A Eurodeputada Ana Gomes organiza uma audição pública na próxima sexta-feira, 16 de Julho, entre as 11.00-13.00 na Sede do Parlamento Europeu sito no Largo Jean Monnet, n.º 1-6, 1269-070, em Lisboa.

Contará com a participação de Representante do Ministério dos Negócios Estrangeiros (a confirmar), de Fernando Sousa, Membro da Direcção da Amnistia Internacional e de José Manuel Pureza, Líder Parlamentar do Bloco de Esquerda (também a confirmar).

A entrada é livre.

2. Organização de um abaixo-assinado (http://www.peticaopublica.com/?pi=P2010N2640).

3. A secção portuguesa da Amnistia Internacional endereçou uma carta aberta ao secretário executivo da CPLP, Domingos Simões Pereira, que transcrevemos:

Como é do conhecimento de V. Exa, na VIII Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP que vai decorrer no dia 23 de Julho de 2010, em Luanda, Angola, será apreciada a candidatura da Guiné Equatorial a membro de pleno direito desta Organização.

A esse respeito a Amnistia Internacional e tendo em conta que todos os Estados Membro da CPLP estão, por força dos respectivos Estatutos (Artigo 5.º n.º 1 e), sujeitos aos princípios que a rege (“Primado da Paz, da Democracia, do Estado de Direito, dos Direitos Humanos e da Justiça Social”) pretende levar ao conhecimento de V. Exa um conjunto de preocupações 1 e apresentar um conjunto de recomendações.

Preocupações:

Detenções e reclusões arbitrárias/ Restrições à Liberdade de Imprensa.
Registam-se vários casos de detenções e reclusões arbitrárias por motivos políticos. Normalmente ocorrem sem que a culpa dos detidos seja formada e formalizada, sem que haja um julgamento justo e levando a prisão em condições de isolamento. Muitos são libertados após longos períodos sem ter sido formada qualquer culpa. Tais práticas não constituem apenas violação dos padrões internacionais de Direitos Humanos aplicáveis às regras processuais policiais, penais e jurisdicionais, mas constituem também forma grave de restrição à liberdade de expressão, designadamente de conteúdos de natureza política (restrições que, aliás, se concretizam doutras formas de que é exemplo a apreensão por, forças governamentais, de um emissor de rádio à CPDS).

Prisioneiros de consciência e outros prisioneiros políticos
O governo reage com hostilidade a qualquer forma de crítica e impõe fortes restrições à liberdade de expressão, de associação e de manifestação. Registaram-se menos prisões políticas do que em 2007, contudo a propósito das eleições em 2008 registou-se um aumento significativo: pessoas detidas temporariamente e libertadas sem culpa formada, condenações em julgamentos injustos, detenções em regime de isolamento.
São vários os prisioneiros mantidos como tal por tempo indeterminado devido apenas ao facto de terem manifestado publicamente, sem recursos a qualquer forma de violência, a sua opinião que diverge da dominante.
A Amnistia Internacional – Portugal acompanha com particular proximidade os casos de: Gerardo Angüe Mangue, Cruz Obiang Ebele, Emiliano Esono Micha, Gumersindo Ramírez Faustino, Juan Ecomo Ndong, Marcelino Nguema e Santiago Asumu.

Condições nas Prisões
Embora registem-se melhorias nas condições das prisões (designadamente visita médica semanal aos reclusos), a alimentação e medicamentos disponíveis são totalmente inadequados. Alguns prisioneiros na "Black Beach Prison" são mantidos injustificadamente e sem limite temporal detidos em regime de total isolamento e permanentemente algemados.

Tortura e outras formas de maus tratos
Apesar da entrada em vigor em 2006 de uma lei que proíbe a tortura, continuam a registar-se vários casos de tortura levada a cabo pela polícia. Pelo menos duas pessoas morreram na sequência directa de actos de tortura perpetrados pela polícia. Há, pelo menos, registo de uma condenação a 17 anos de prisão com base em provas comprovadamente obtidas sob tortura. Não há registo de qualquer condenação (embora tenha havido lugar a acusação em alguns casos) de agentes policiais por estes actos.

Pena de Morte (Salvador Ncogo, Benedicto Anvene e José Nzamyo)
Contrariando a tendência mundial e as recomendações da ONU para abolição da pena de morte relativa a todos os crimes e a adopção da moratória global enquanto a pena capital não é suprimida, a Guiné Equatorial mantém-se retencionista. Registámos 3 execuções que ocorreram sem possibilidade de recurso e sem aviso prévio às respectivas famílias.

Desaparecimentos forçados
São ainda desconhecidos os paradeiros de vários opositores do Governo que, a seu mando, foram comprovadamente detidos, inclusivamente fora das fronteiras da Guiné Equatorial (designadamente na Nigéria e Camarões).

Desalojamentos forçados
Sobretudo em Malabo e Bata, com o fundamento na necessária regeneração urbana, têm-se registado desalojamentos forçados de centenas de famílias. A grande maioria dos casos registados foram “justificados” pela construção de estradas e infra-estruturas de luxo das quais as populações afectadas não retiram qualquer benefício. Na grande maioria dos casos, não houve qualquer pré-aviso, consulta ou negociação e não foram apresentadas alternativas de alojamento ou indemnizações pelas perdas. Grande parte dos desalojamentos foi levada a cabo com desproporcionais medidas de força e segurança. Várias famílias continuam sob risco de desalojamentos forçados.

Direitos das Crianças
No ano passado, 20 menores de idade entre os 10 e os 17 anos foram presos devido ao facto de terem recebido dinheiro de um dos netos do Presidente Obiang que, alegadamente, o tinha furtado. Embora a lei da Guiné Equatorial estabeleça os 16 anos como a idade limite a partir da qual deixa de haver inimputabilidade penal, todas aquelas 20 crianças foram detidas por mais de 2 meses na “Black Beach Prison” que não dispõe de instalações próprias de detenção para crianças e jovens.

Pobreza e Direitos Humanos
60% da população da Guiné Equatorial vive abaixo do limiar da pobreza (com menos de USD$1 por dia) apesar dos elevados níveis de crescimento económico do país, de elevada produção de petróleo e de ser um dos países com o rendimento per capita mais elevado do mundo.
Segundo dados da UNICEF mais de metade da população da Guiné Equatorial não tem acesso a água potável e cerca de 20% das crianças morrem antes de atingirem os 5 anos de idade.
O Direito à habitação condigna é constantemente ameaçada pelos desalojamentos forçados que são levadas a cabo.

Recomendações

Atendendo:

À situação actual dos Direitos Humanos na Guiné Equatorial que acima se procurou evidenciar;

Ao facto de a situação não se alterar caso não haja pressão internacional para o efeito;

Ao facto de a CPLP, por força dos seus Estatutos actualmente em vigor, dever estimular ”a cooperação entre os seus membros com o objectivo de promover as práticas democráticas, a boa governação e o respeito pelos Direitos Humanos” (Artigo 5.º) e por maioria de razão, junto daqueles que o pretendem ser;

Ao facto de os Estados da CPLP estarem vinculados, por força dos Estatutos desta Organização, à norma que regula a atribuição de Estatuto de Observador Associado e que prescreve que "aos Estados que, embora não reunindo as condições necessárias para ser membros de pleno direito da CPLP, partilhem os respectivos princípios orientadores, designadamente no que se refere à promoção das práticas democráticas, à boa governação e ao respeito dos direitos humanos, e prossigam através dos seus programas de governo objectivos idênticos aos da Organização" (Artigo 7.º). Ora, se são estas as condições para atribuição do Estatuto de Observador Consultivo, por maioria de razão (na medida em que os direitos e deveres destes em relação a estes são maiores), devem ser também tidas como critérios para avaliação da candidatura a membros de Pleno Direito,

A Amnistia Internacional – Portugal, insta V. Exa a apenas aceitar a integração da Guiné Equatorial na CPLP como membro de pleno direito perante o compromisso cumulativo e expresso por parte da Guiné Equatorial de:

  1. Suprimir a pena de morte, com moratória imediata;

  2. Cessar a tortura e às detenções extrajudiciais levadas a cabo pelos órgãos do Estado;

  3. Proceder à libertação imediata e incondicional dos Prisioneiros de Consciência acima nomeados e daqueles que estão nas mesmas condições.


Na certeza de que contaremos com a colaboração de V. Exa para a construção de um mundo onde todos os indivíduos gozem plenamente dos seus direitos conforme o que está consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos e de todos os padrões internacionais que a desenvolveram, disponibilizamo-nos para qualquer esclarecimento adicional.

Com os mais respeitosos cumprimentos,

Lucília-José Justino
Presidente da Amnistia Internacional – Portugal

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