segunda-feira, novembro 19, 2012

Um debate sobre os acontecimentos de 14 de Novembro junto da AR

Os acontecimentos ocorridos junto da AR no dia 14 de Novembro provocaram um vivo debate entre activistas.

Um exemplo:

«Movimentos sociais minimamente ponderados e não-violentos não atiram nem legitimam o atirar de pedras e cocktails incendiários à polícia excepto em caso ultimo de legítima defesa (e mesmo aí é de utilidade política e pessoal altamente questionável). Porque sabem que isso é contraproducente para a mobilização social que desejam. Porque sabem que assim as "pessoas" tomam o lado do governo. Porque sabem que a polícia tem agentes infiltrados e provocadores. Porque sabem que serão identificados, processados e com isso perderão capacidade de acção. Porque não querem participar numa estratégia política montada para a sua própria criminalização.

Não foi isso que se passou em S. Bento antes da carga policial. Ninguém quer falar disso, há um silencio podre nos movimentos sociais, por isso falo eu.


O que se passou em S. Bento antes da carga foi uma polícia a apanhar pedras mandadas sei lá porque que manifestantes ou polícias infiltrados. E centenas de pessoas que foram ficando no local, sem qualquer coordenação entre si, à espera do sei lá o quê que sabiam ir acabar por acontecer. A ausência de coordenação explica-se nas actuais divisões entre movimentos sociais. São elas permitem que qualquer grupo de polícias ou manifestantes minimamente organizado entre na manifestação e faça dela gato-sapato.

Mas...surpresa? ninguém precisa de um aviso de megafone para saber que um polícia que leva com material incendiário e pedras durante umas horas vai intervir. Não me venham com tretas. Muitos dos que ali estavam sabem bem o que se passa nos bairros degradados todos os dias. Esperavam mesmo que existisse um tratamento privilegiado só porque aqui os motivos aqui são políticos? Ou fiaram-se que tal como das outras vezes não aconteceria? Têm um país dominado pela troika, um governo CDS-PSD, a polícia fortemente equipada pela frente, e já todos se queixaram de violência da polícia à n manifestações anteriores (há n comunicados do 15O a esse respeito - tornou-se uma tradição fazê-los), e ficaram surpreendidos? lamento dizer-vos: Mas a sociedade portuguesa - aquela que cujos interesses vocês (nós!) dizem representar ou pretender acordar - não ficou. Rejeita a acção policial mas critica abertamente todas as pedras que se lhe
antecederam. E pensará duas vezes antes de participar em algo organizado por colectivos que não sejam capazes de criticar declaradamente ambas. Podem-se queixar dos media e do governo à vontade, mas são os nossos próprios videos que mostram tudo isso. 15 a 20 pessoas a organizarem uma saraivada contra a polícia. E umas centenas de figurantes a assistir, entre o impotentes e o concordantes, a tudo isso.

Tenho amigos e companheiros que imbuídos de sei lá que espírito ficaram mais tempo do que deviam a assistir a algo com que manifestamente não concordavam. Tenho amigos e companheiros que inclusive foram agredidos pelas acções de outros manifestantes e ainda assim ficaram no local à espera de sei lá o quê. Tenho até amigos e companheiros que segundo me dizem participaram no atirar ou recolher de pedras. Compreendo todas as acções. Até porque também eu já estive a assistir a coisas com que não concordava, sabendo que a polícia poderia intervir a qualquer momento, e não me mexi. Mas não me orgulho disso. Sei bem que violento é o governo. Mas inteligentes e organizados devíamos ser nós. Que sentido faz alguém ficar a assistir ao apedrejamento de polícias durante mais de 1 hora se não concorda com ele?


Lamento amigos. São meus amigos e companheiros. Mas agiram mal. Compreendo as vossas acções, mas foram erradas. Caíram (caímos!) que nem os patinhos na estratégia que nos foi montada. Ou na ridícula tentativa de alguns grupos anarcas de elevarem a dignidade dos activistas nacionais ao superior nível dos activistas gregos. E com tudo isto
abafámos a greve geral em que participámos e a luta contra o orçamento que desejamos. E agora, em vez de prepararem acções se sensibilização da população para o orçamento, preparam comunicados de imprensa sobre isto. E eles servirão para quê, digam-me lá? ao menos organizem uma vigília em solidariedade com o Fábio e outros detidos. Anunciem aos 4 ventos que vamos angariar dinheiro e processar a polícia. Mas um comunicado de imprensa? que esperam mesmo que resulte dele?

Amigos e companheiros, espero sinceramente que parem um pouco para pensar, e ajam estrategicamente neste assunto. E que em vez de fugir para a frente incentivados por quem atirou pedras ou vê nelas o início de uma qualquer revolução, e perderem o tempo a discutir e subscrever comunicados de imprensa que só falem do que se passou durante e depois da carga mantendo um silêncio suspeito sobre o que se passou nas 2 horas antes dela, tenham a capacidade de afirmar
que a violência não é solução, que é contra ela que todos lutamos (é não é?), que rejeitamos o atirar de pedras, que rejeitamos e denunciamos todas as cargas policiais e violência policial (faça-se uma vigília! organizem-se acções!), que defendemos os valores de Abril e a democracia, que desejamos uma mobilização cidadã crescente e não-violenta, porque ela é essencial para correr com o(s) governo(s) e instituições que estão a gerar toda esta violência (ela não era tão visível antes).

A critica à acção e violência policial ocorrida durante a carga e depois não pode ser separada da critica ao que se lhe antecedeu. A sociedade sabe bem o que significará esse silêncio político. É preciso produzir um documento que sirva de sustentação às mobilizações futuras.E não um documento que as prejudique.


Infelizmente, neste momento, não posso ir às vossas reuniões explicar melhor estes argumentos. Por isso os deixo aqui. Expressos com a pluralidade com que sempre tenho participado junto de vocês, ajudado a organizar as lutas que acho justas, sofrido algumas cargas policiais junto de vocês (algumas dessas muito mais claramente injustas que esta ultima). Mas também com a pluralidade de quem tem tentado que haja mais reflexão e menos urgências, mais pensamento estratégico longe do controlo sindical e partidário, mais auto-organização. A crise está cá para ficar, as vossas ideias são necessárias à sua resolução, não pactuem com a violência, protejam-se, dignifiquem os movimentos sociais e o espírito não-violento do 15M. O espírito que traz dezenas de milhar de pessoas à rua de forma não-violenta e que cresce em Espanha. E que tem sabido habilmente expor à sociedade a violência deste sistema. Voltem a reunir-se abertamente os grupos. E tenham a coragem de deixar de fora todos aqueles que defenderem a violência. Eles não nos representam.


A propósito o link para o comunicado que em tempos um grupo de pessoas escreveu sobre acontecimentos em Londres. Pareceu moderado a muitos mas foi
pensado com um objectivo político claro: deixar escrito a não-violência e determinação política que moveria mais tarde a organização da manif de 15 Outubro de 2011.

https://acampadalisboa.wordpress.com/2011/08/24/tomada-de-posicao-reino-unido/


N.

nota final: Não, não é aceitável que os estivadores ou certos grupos ditos anarcas sejam violentos em manifestações de movimentos não-violentos. Temos absolutamente de falar com eles e dizer-lhes que apoiamos a causa deles mas não os métodos. Participaremos nas manifestações deles mas precisamos absolutamente que eles tenham uma postura diferente da de polícias infiltrados ou elementos de extrema direita nas nossas. Caso contrário, perdemos sistematicamente a batalha de mobilização da opinião pública. E não desejamos isso ou desejamos?»


Outro exemplo, continuação do anterior:

«N.,

Não comentarei o que afirmaste, bem sabes que concordo contigo.

Apesar de à volta de 90% das pessoas presentes a 14 de Novembro em frente ao Parlamento serem meros espectadores do acto de apedrejamento por cerca de duas horas do corpo de intervenção, não as iliba de serem cúmplices passivos de tal acto de violência. Sinceramente os que esperavam que acontecesse? Os activistas estariam a pensar que aconteceria algo diferente das outras manifestações? Certamente o resto dos manifestantes estariam como mero espectadores à espera que os activistas "profissionais" encenassem algo diferente (ou não) que não fosse um espelho da expressão violenta da frustração que se viu (se vê) em Atenas, da qual se já concluiu que nada de realmente revolucionário aconteceu até agora já que continuam com a dívida às costas e dependentes de resgates para a continuação da sua existência como uma bem comportada sociedade ocidental economica e civilizadamente industrializada.

Havia um elo presente no poço de S. Bento: a população manifestante estava indignadamente curiosa e expectante em relação à actuação dos movimentos presentes, os movimentos presentes barricaram-se atrás da meia dúzia de apedrejadores semi-profissionais, os apedrejadores lapidavam uma parede de rédea curta à espera de que a parede se assustasse e ganha-se vida por exaustão, a parede/forças de intervenção dependentes de ordens dos seus superiores, isto é, manifestantes-movimentos-apedrejadores-parede-oficiais, logo os manifestantes eram provavelmente controlados pelos oficiais. Irónico, não?


A nível de estratégia de intervenção - que a não havia, e não continua a haver, por parte dos movimentos a não ser o esbafurir de palavras de ordem das quais se ouve o eco em resposta - é apenas simbólico e limitado, explico: porquê "lutar" contra uma escadaria? O que esperam se conseguirem a escadaria? Porque não invadir o cimo através do relvado da lateral esquerda sendo uma vertente mais fraca de ser avançada? Porque não invadir ao mesmo tempo pelas laterais? Isto falando apenas de estratégia de tomada-do-monte... mas não existe estratégia, pior do que isso não existe um objectivo do após da tomada-do-monte... não têm (não têm tido) os movimentos que lá se têm apresentado nem mesmo os apedrejadores se realmente conseguissem esgotar a "parede".


Há algo que se aprendeu a 15 de Setembro de 2011 mas que a maioria não viu ou percebeu. O Parlamento não é importante. O importante é a discussão de ideias e o debate de resoluções dos problemas, o importante é ser-se pró-activo e prático, o importante é apresentar à população que os "putos" dos movimentos sociais não são meros intelectuais com as ideologias na ponta da língua mas sim pessoas com capacidade de interacção humana e directa, o importante é ter um contacto directo com os decisores sem as paredes de um edifício a separarmo-nos deles, o importante é ter uma assembleia na rua, um parlamento na rua.


A revolução de Abril ainda não se concluiu. É uma revolução de raiz pacífica, é um chamado da re-evolução da consciência das pessoas (independentemente de serem trabalhadores ou não), sendo igualmente o transmitir da liberdade a cada pessoa, a liberdade de poderem assumirem livremente a responsabilidade do seu próprio país, algo que não podiam fazer durante a ditadura, estando a responsabilização do país entregue a "uma só" pessoa. Na verdade ainda não o podem porque continuam a delegar essa responsabilidade não a uma mas a um grupo de pessoas, um grupo permissível a um suborno corruptivelmente hobbiístico. A população também tentou tomar-o-monte do quartel do Carmo mas a real tomada foi por um porta-voz das classes dominantes e do que veio a ser o controlo partidário da Democracia sem a real representação da 'Demo'.


Sim, os espectadores de 14 de Novembro foram cúmplices do apedrejamento e os movimentos presentes, ausentes uma vez mais de qualquer estratégia com um objectivo que não o dar o espaço para uma catarse do drama da guerra psicológica (que ela existe e é triste), foram ingénuos novamente, academicamente ingénuos, os derradeiros culpados da premeditada violenta carga policial, presos a um ideal de "batalha" proletária que foi adequado e útil a uma certa altura da evolução da humanidade e provavelmente não seja o método mais indicado para a resolução do presente imbróglio económico. É verdade que não controlamos a actuação da polícia mas também é verdade que o que podemos controlar é o que fazemos e como fazemos e onde o promovemos mesmo não podendo ter controlo do que as pessoas ou um determinado grupo de pessoas possam fazer, mas neste caso temos de saber como agir em conjunto se for caso disso, sempre numa atitude inclusiva dentro do possível.


Naquele dia, numa conferência em Londres de solidariedade com os paises aderentes da greve europeia, o dia foi aclamado como histórico e Portugal recebeu felicitações de todos pela iniciativa. Talvez Portugal seja um país pequenino, mas fazemos coisas grandes, aspiramos a coisas grandes, no entanto somos muito pequeninos entre nós. É verdade que violentos são os efeitos da austeridade sobre a população mas também é verdade que o dia poderia ter terminado de forma diferente se puséssemos de uma vez por todas as diferenças de lado e pensássemos mais nas pessoas e não na ideologia, se tivéssemos planeado aquele dia em conjunto e de forma diferente. Temos de acreditar mais em nós próprios, acreditar que podemos e conseguimos dar o exemplo para os outros povos da possibilidade de uma revolução digna, de uma mudança que realmente mude e realize de uma vez por todas Abril.


Está na hora de realmente olhar para o que acontece nas manifestações e como elas se desenvolvem e pensar no porquê que terminam da forma que terminam. Está na hora de realmente acordarmos, porque quem está no governo confia e espera que continuemos a actuar como temos a actuar e a estarmos separados como temos estado separados, isso pode ser uma vantagem. Tenhamos o 'talento de fazer bem' as acções que temos implicitamente de fazer. Está na hora de mudar, saibamos fazer e assumir essa mudança de uma vez por todas.


Abraço a todas e a todos.»




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