Em
Portugal, neste outono de 2012, as grandes massas populares despertaram
finalmente para a luta contra o desprezo social e o esbulho
austeritário. Mas estamos ainda longe de atingir um ponto de travagem e
inflexão na guerra de classes movida pelas elites sociais parasitárias
do país. Para aí chegarmos, seria necessário que, pelo menos, toda a
cintura mediterrânica europeia entrasse em ebulição simultânea, com os
de baixo a já não querer e os de cima a já não poder. Sem uma ruptura
total com o garrote da dívida, em grande parte ilegítima, e com os "acordos" impostos pelos funcionários do capital financeiro
internacional, não haverá saída digna para os povos do sul da Europa,
onde a situação se degrada neste momento a um ritmo muito mais acelerado
do que em outros países do velho continente.
Esta
possível ruptura a sul aproveitará aos trabalhadores do norte, se estes
se dispuserem a acompanhá-la e tiverem veículos para isso,
antecipando-se a uma "austeridade" que, de outro modo, não deixará de
lhes bater também à porta. Esperemos que haja ainda suficientes reservas
de rebeldia e energia transformadora nestes povos, escapadas à
depauperação antropológica geral do ocidente capitalista. Que, na altura
própria, as razões da união entre quem trabalha se sobreponham às "razões" da competição, do preconceito e da incompreensão, dependerá, em
grande parte, da existência de instrumentos críticos fortes e de
alternativas políticas audazes e radicais, concretamente postas.
Neste número 15 de 'O Comuneiro' www.ocomuneiro.com
, abrimos com o texto do nosso colaborador Tom Thomas, que lê o
estrangulamento do processo de valorização do capital a que assistimos,
com toda a limpidez da crítica marxista, colocando depois a alternativa
histórica que temos perante nós, em toda a sua brutal simplicidade.
Philip Ferguson, desde os antípodas neozelandeses, interroga-se sobre a
promessa falhada de uma sociedade de lazer, antevista por John Maynard
Keynes em 1930, mas que o capitalismo foi incapaz de cumprir, dela se
afastando agora mesmo cada vez mais.
Ainda
que longe do Eliseu, naturalmente, o socialismo está de volta em
França, como projeto político concreto e alternativa social em debate.
Jacques Généreux é um dos seus pensadores mais destacados e também ele
está de volta a 'O Comuneiro' com a introdução ao seu último livro,
onde o leitor encontrará muita matéria a suscitar reflexão empenhada,
corpo a corpo. Outro regresso de peso às nossas páginas é o de Bernard
Stiegler. Herdeiro de uma linhagem ilustre de pensamento social crítico
gaulês, com um gosto artesanal refinado pela criação de novos conceitos,
Stiegler é um grande escritor e um perscrutador muito agudo das
entranhas mais íntimas do nosso tempo.
Uma
entrevista breve com o filipino Walden Bello lembra-nos que a
multifacetada crise atual é também uma crise alimentar, ainda que não
sentida da mesma maneira em todos os pratos, naturalmente. Damien Millet
e Éric Toussaint, conhecidos ativistas do Comité pela Anulação da
Dívida do Terceiro Mundo (CADTM), expõem o que deverá ser, para o
movimento social, o programa de saída desta crise na Europa. Ainda que
não haja força, neste momento, para impor nem uma mínima fração deste
rol de medidas, trata-se de um importante exercício intelectual e
político, que nunca deve ser perdido de vista. O mesmo vale para o
projeto de Declaração Universal do Bem Comum da Humanidade, iniciativa
do Fórum Mundial das Alternativas para ser presente ao Fórum Social
Mundial de 2013 a realizar na Tunísia.
A
crítica da economia política de inspiração marxista está bem viva no
Brasil, o que nos permite apresentar duas excelentes análises da atual
crise mundial do capitalismo, por Marcelo Dias Carcanholo e Alfredo Saad
Filho. Ivonaldo Leite guia-nos com mão segura e dialecticamemte
inspirada pelas teorias do desenvolvimento da América Latina, em seu
próprio desenvolvimento sócio-histórico. Valério Arcary, explorador das
esquinas perigosas da história, relembra que, longe de ser um artifício
retórico, a regressão à barbárie de que nos falava Rosa Luxemburgo, é
uma hipótese real, com contornos aliás já bem palpáveis. A crise é uma
encruzilhada de várias hipóteses de futuro, mas só um sujeito
revolucionário consciente poderá protagonizar a mudança num sentido
próximo da esperança (ver abaixo).
Agradecemos
toda a divulgação possível do conteúdo deste número do 'O Comuneiro',
nomeadamente em listas de correio, portais, blogues ou redes sociais de
língua portuguesa. Comentários, críticas e sugestões serão bem-vindos.
Continuamos a pensar que os caminhos da revolução podem ser trilhados na
língua de Camões.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
Pela Redação de 'O Comuneiro'
Ângelo Novo
Ronaldo Fonseca
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Ângelo Novo
editor da revista electrónica 'O Comuneiro'
www.ocomuneiro.com
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