quinta-feira, outubro 30, 2008

Transformar a crise em oportunidade para a mudança


Porque consideramos a Declaração de Pequim um elemento novo na actual conjuntura, elemento este que merece ser discutido e traduzido em acção, decidimos traduzi-la para português de forma a facilitar a sua divulgação e discussão entre os falantes desta bela língua.



A Crise económica mundial: uma oportunidade histórica para a mudança

Uma primeira resposta de cidadãos, movimentos sociais e organizações não-governamentais de apoio a um programa transitório de transformação económica radical.

Pequim, 15 de Outubro de 2008


Preâmbulo

Aproveitando o facto de muitos activistas e associações se encontrarem reunidos em Pequim no Fórum dos Povos da Ásia-Europa, o Transnational Institute e o Focus on the Global South promoveram reuniões informais entre os dias 13 e 15 de Outubro de 2008. Nelas fizemos uma avaliação das implicações da crise económica mundial e da oportunidade que ela nos oferece para trazer para a praça pública algumas das alternativas, viáveis e motivadoras, nas quais muitos de nós temos vindo a trabalhar há décadas.

Esta declaração representa o resultado colectivo dessas discussões em Pequim. Nós, os primeiros signatários, queremos que seja um contributo para o esforço de formular propostas em torno das quais os nossos movimentos possam organizar uma base para um tipo de ordem política e económica radicalmente diferente.

A Crise

O sistema financeiro global está a desmoronar-se rapidamente. Isto acontece no meio de uma multiplicidade de crises, da alimentação, do clima e da energia, enfraquecendo severamente o poder dos EUA e da UE e das instituições mundiais que eles dominam, especialmente o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio. Não é só a legitimidade do paradigma neo-liberal que está em causa, mas o próprio futuro do capitalismo.

O caos no sistema financeiro mundial é tal que os governos do hemisfério Norte têm recorrido a medidas que movimentos progressistas vêm defendendo há anos, como a nacionalização dos bancos. Estas medidas, porém, visam a estabilização a curto prazo e, depois da tempestade passar, são susceptíveis de devolver os bancos ao sector privado. Temos uma pequena janela de oportunidade para nos mobilizarmos e impedir que isso aconteça.

O desafio e a oportunidade

Esta conjuntura de crise profunda está a levar-nos para um terreno inexplorado - as consequências da crise financeira serão graves. As populações estão a ser atiradas para um profundo sentimento de insegurança; a miséria e o sofrimento vão aumentar, especialmente entre os mais desfavorecidos. Não devemos ceder neste momento a fascistas, a populistas de direita e a grupos xenófobos, que vão certamente tentar tirar partido dos medos e da raiva das populações para fins autoritários e reaccionários.

Ao longo das últimas décadas foram construídos movimentos poderosos contra o neo-liberalismo. Estes irão crescer à medida que a crítica da crise chegar a mais pessoas, que já estão indignadas com o desvio de fundos públicos para pagar problemas de que não são responsáveis e que já estão preocupadas com a crise ecológica e a subida dos preços - especialmente dos alimentos e da energia. Estes movimentos têm assim a possibilidade de crescer mais com a recessão que começa a fazer-se sentir e com as economias que estão a afundar-se na depressão.

Existe uma nova receptividade às alternativas. Para captar a atenção e o apoio das populações têm de ser práticas e aplicáveis de imediato. Temos alternativas convincentes, que já estão em marcha, e temos muitas outras boas ideias tentadas no passado mas que não conseguimos concretizar. As nossas alternativas colocam no centro o bem-estar das populações e do planeta. Por isso, o controlo democrático sobre as instituições financeiras e económicas é obrigatório. Este é o elemento condutor que une as propostas que se apresentam a seguir.

Propostas para discussão, elaboração e acção

Finanças:

  • Introduzir em larga escala a socialização dos bancos e não apenas a nacionalização dos créditos mal parados.

  • Criar instituições bancárias com base nas necessidades das pessoas e impulsionar as formas populares de empréstimo baseadas na reciprocidade e na solidariedade.

  • Institucionalizar a total transparência no sistema financeiro através do seu controlo público, exercido por organizações de cidadãos e de trabalhadores.

  • Introduzir a supervisão do sistema bancário pelo parlamento e pelos cidadãos.

  • Aplicar critérios sociais (incluindo as condições de trabalho) e ambientais a todos os empréstimos, incluindo os destinados a fins comerciais.

  • Privilegiar os empréstimos, a taxas mínimas de juro, para satisfazer necessidades sociais e ambientais e para reforçar a crescente economia social.

  • Reformar os bancos centrais em consonância com os objectivos sociais, ambientais e expansionistas (para combater a recessão) democraticamente definidos, tornando-os instituições publicamente responsáveis.

  • Salvaguardar as remessas dos imigrantes para as suas famílias e introduzir legislação para restringir as comissões e os impostos sobre estas transferências.

Fiscalidade:

  • Encerrar todos os paraísos fiscais.

  • Acabar com os benefícios fiscais para os combustíveis fósseis e empresas produtoras de energia nuclear.

  • Aplicar, de forma rigorosa, sistemas fiscais progressivos.

  • Introduzir um sistema de tributação global para prevenir as transferências de preços e a evasão fiscal.

  • Introduzir uma taxa sobre os lucros dos bancos nacionalizados e com ela estabelecer fundos de investimento para cidadãos (ver abaixo).

  • Impor impostos de carbono rigorosos e progressivos sobre aquelas actividades com maior contribuição para a pegada de carbono.

  • Adoptar medidas de controlo, como a taxa Tobin, sobre os movimentos do capital especulativo.

  • Voltar a introduzir tarifas e impostos sobre as importações de bens de luxo, como um meio para aumentar a base fiscal do Estado e como um meio para apoiar a produção local e reduzir assim as emissões de carbono a nível global.

Despesa pública e investimento:

  • Reduzir drasticamente os gastos militares.

  • Redireccionar os gastos governamentais de ajuda à banca para garantir o rendimento mínimo e a segurança social, proporcionando um acesso universal aos serviços sociais básicos, como a habitação, a água, a electricidade, a saúde, a educação e o acesso à Internet e outros serviços públicos de comunicação.

  • Utilizar fundos públicos (ver acima) para apoiar as comunidades mais pobres.

  • Assegurar que às pessoas em risco de perderem as suas casas devido ao não cumprimento dos créditos hipotecários causado pela crise, é oferecida a possibilidade de renegociar as condições de pagamento.

  • Parar as privatizações dos serviços públicos.

  • Estabelecer empresas públicas, sob o controlo dos parlamentos, das comunidades locais e/ou de trabalhadores, para aumentar o emprego.

  • Melhorar o desempenho das empresas públicas através da democratização da gestão - incentivar os gestores públicos, os funcionários, os sindicatos e as organizações de consumidores a colaborarem para esse efeito.

  • Introduzir o orçamento participativo nas finanças públicas a todos os níveis possíveis.

  • Investir maciçamente no aumento da eficiência energética, nos transportes públicos com baixa produção de emissões de carbono, nas energias renováveis e na recuperação ambiental.

  • Controlar ou subsidiar os preços dos artigos de primeira necessidade.

Comércio Internacional e finanças:

  • Proibir, de forma permanente e global, as vendas a curto prazo de acções e participações.

  • Proibir o comércio de derivados.

  • Proibir a especulação com os alimentos de primeira necessidade.

  • Anular a dívida de todos os países em desenvolvimento – que está a aumentar com a crise que desvaloriza a moeda nos países do Sul.

  • Apoiar o apelo das Nações Unidas à participação no debate sobre a resolução da crise, que vai ter um impacto muito maior nas economias do Sul do que aquele que é hoje reconhecido.

  • Eliminar gradualmente o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mundial do Comércio.

  • Eliminar gradualmente o dólar EUA como moeda internacional de reserva.

  • Promover uma consulta popular sobre os mecanismos necessários para um sistema monetário internacional justo.

  • Assegurar que as transferências da ajuda humanitária não diminuem em resultado da crise.

  • Abolir a ajuda condicionada.

  • Abolir os constrangimentos neo-liberais aos programas de ajuda.

  • Eliminar gradualmente o paradigma de desenvolvimento virado para a exportação e reorientar o desenvolvimento sustentável da produção para o mercado local e regional.

  • Introduzir incentivos para os produtos destinados aos mercados locais ou de proximidade.

  • Cancelar todas as negociações bilaterais de livre comércio e os Acordos de Parceria Económica.

  • Promover a cooperação económica regional, a exemplo do UNASUR, da Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA), do Tratado de Comércio dos Povos e de outros, que incentivam o desenvolvimento genuíno e o fim da pobreza.

Ambiente:

  • Introduzir um sistema global de compensação para os países que não explorem reservas de combustíveis fósseis no interesse global da limitação dos efeitos sobre o clima, tal como o Equador tem proposto.

  • Pagar indemnizações aos países do Sul pela destruição ecológica provocada pelo Norte, para ajudar os povos do Sul a lidar com as alterações climáticas e outras crises ambientais.

  • Aplicar rigorosamente o "princípio da precaução" da Declaração da ONU sobre o Direito ao Desenvolvimento para todos os projectos ambientais e de desenvolvimento.

  • Suspender os empréstimos para projectos realizados no âmbito do "Mecanismo de Desenvolvimento Limpo" do Protocolo de Quioto que sejam ambientalmente destrutivos, tais como plantações de monocultura de eucalipto, de soja e de óleo de palma.

  • Parar o desenvolvimento do comércio de carbono e outras tecno-correcções ambientalmente contra-produtivas, tais como a captura e o sequestro de carbono, os agrocombustíveis, a energia nuclear e a tecnologia de "carvão limpo".

  • Adoptar estratégias para reduzir radicalmente o consumo nos países ricos, promovendo simultaneamente o desenvolvimento sustentável nos países mais pobres.

  • Introduzir a gestão democrática de todos os mecanismos de financiamento internacional para a redução das alterações climáticas, com forte participação dos países do Sul e da sociedade civil.

Agricultura e Indústria:

  • Eliminar gradualmente o pernicioso paradigma de desenvolvimento dirigido pela indústria, onde o sector rural é pressionado a assegurar os recursos necessários para apoiar a industrialização e a urbanização.

  • Promover estratégias agrícolas visando atingir a segurança alimentar e a soberania alimentar e uma agricultura sustentável.

  • Promover reformas agrárias e outras medidas que apoiem o pequeno agricultor e sustentem as comunidades camponesas e indígenas.

  • Parar a expansão de empresas de monocultura que são social e ambientalmente destrutivas.

  • Parar as reformas da legislação laboral destinadas a alargar o horário de trabalho e a tornar mais fácil para a entidade patronal despedir individual ou colectivamente.

  • Assegurar os postos de trabalho através da ilegalização do trabalho precário mal pago.

  • Garantir a igualdade de remuneração por trabalho igual para as mulheres - como um princípio básico e para ajudar a combater a recessão aumentando a capacidade de consumir dos trabalhadores.

  • Proteger os direitos dos trabalhadores migrantes em caso de perda de emprego, garantindo o seu regresso e reintegração no país de origem. Para aqueles que não podem regressar não deverá haver regresso forçado, a sua segurança deve ser garantida e deve ser-lhes proporcionado emprego ou um rendimento mínimo.

Conclusão

Estas são propostas práticas, do senso comum. Algumas são iniciativas já em curso e comprovadamente viáveis. O seu sucesso necessita de ser divulgado e generalizado de modo a inspirar a sua multiplicação. Outras não são susceptíveis de serem aplicadas apenas pelos seus méritos. É necessária vontade política. Cada proposta é, portanto, um convite à acção.

Escrevemos o que sentimos como um documento vivo, a ser desenvolvido e enriquecido por todos nós. Para evitar duplicações, assine por favor esta Declaração, em seu nome ou em nome da sua organização, na secção de comentários da versão deste documento em inglês.

O próximo Fórum Social Mundial em Belém, Brasil, no final de Janeiro de 2009, será a ocasião para discutirmos as acções necessárias para fazer com que estas e outras ideias se tornem uma realidade.

Temos a experiência e as ideias - vamos responder ao desafio da presente desordem reinante e manter o ímpeto em direcção a uma alternativa!

Primeiras organizações signatárias:

Transnational Institute, Netherlands
Focus on the Global South
Red Pepper magazine, United Kingdom
Institute for Global Research and Social Movements, Russia
Ecologistas en Acción, Spain
JS - Asia/Pacific Movement on Debt and Development (JS APMDD), Asia
RESPECT Network Europe, Europe
Commission for Filipino Migrant Workers (CFMW), Netherlands
The Movement for a Just World, Malaysia
Nord-Sud XXI, Switzerland
Europe Solidaire Sans Frontières (ESSF), France
Indian Social Action Forum (INSAF), Inadi
Movimiento Madre Tierra, Honduras
Asian Bridge, South Korea/ Philippines
Center for Encounter and Active Non-Violence, Austria
The Alliance of Progressive Labor (APL)
Pakistan Institute of Labour Education and Research (PILER), Pakistan
Pambansang Katipunan ng Makabayang Magbubukid-PKMM (National Federation of Patriotic Peasant), Phillipines
Proresibong Alyansa ng mga Mangingisda-PANGISDA (Progresive Alliance of Fisher), Philippines
WomanHealth, Philippines
Kilusan para sa Pambansang Demokrasya (KPD), Philippines
Fisherfolk Movement Philippines
Democratic Socialist Perspective, Australia
Resistance & Alternative, Mauritius
Observatori del Deute en la Globalització, Spain
African Journalists on Trade and Development
Centre for Education and Communication (CEC), India
EQUATIONS, India
ESK-Basque Land, Basque Country
Common Frontiers, Canada
Alab-Katipunan, Philippines
Finnish Asiatic Society, Finland
Alab-Katipunan, Philippines
Finnish Asiatic Society, Finland
Red Constantino, Philippines
Intercultural Resources, India
Women’s March Against Poverty and Globalization (WELGA)
FDC Women’s Committee
Bharatiya Krishak Samaj (Indian farmers organization)
Peace for All International Development Organization, Canada/Uganda
Foundation for Media Alternatives, Philippines
The Philippine Rural Reconstruction Movement , Philippines
The Freedom from Debt Coalition-Iloilo, Philippines
Jubilee Eastern Cape, South Africa
SdL intercategoriale, Italy
Foro Ciudadano de Participación por la Justicia y los Derechos Humanos, Argentina
APRODEH (Asociacion Pro Derechos Humanos), Peru



Tradução de Carlos J. T. Calado para o Blogo Social Português.

2 comentários:

Anónimo disse...

Governar é promover a dignidade humana e não o contrário.
A dignidade dos Funcionários Públicos colocados na mobilidade foi profundamente atingida por quem tem a a obnrigação de a salvaguardar
Ver
http://mobilizados.blogspot.com

Anónimo disse...

Governar é promover a dignidade humana e não o contrário.
A dignidade dos Funcionários Públicos colocados na mobilidade foi profundamente atingida por quem tem a a obnrigação de a salvaguardar
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