Realçar o papel da mulher portuguesa na resistência ao fascismo é o objectivo do colóquio que no próximo dia 8 de Março o Movimento Cívico Não Apaguem a Memória! promove na Biblioteca-Museu República e Resistência, em Lisboa. Destina-se, como é óbvio, a assinalar o Dia Internacional da Mulher e a trazer à memória actual o que foi a luta das mulheres pelo fim da ditadura. Combates de sofrimento e, também, de alegria, mas, sobretudo, combates pelo nascimento de um mundo livre e igual. Uma sociedade livre da brutalidade das forças repressivas do Estado Novo, vivendo dentro de padrões de dignidade cívica.
Para quem se ocupa destes temas – e o dossiê que se segue assim o confirma – é frequente dizer que o apelo das mulheres para entrar nesse trilho de privações e sacrifícios foi, sobretudo, afectivo. Ao invés do que se passou com os homens, que geralmente chegaram à resistência através de um processo político de consciencialização – da sua classe social ou por opção intelectual. Razão dupla para saudar essa atitude: de completo desprendimento de si e do legítimo direito a uma vida familiar confortável, por um lado; de dedicação sem limites à causa do companheiro, do pai ou do irmão, por outro.
Ver com os olhos do amor é ver mais, não o contrário.
No livro escrito em 1960/61, em plena clandestinidade, “A Resistência em Portugal” (Ed. Avante!), feito a quatro mãos, as de José Dias Coelho e as de Margarida Tengarrinha, sublinha-se esse aspecto em palavras curtas e secas, que a isso obrigavam as circunstâncias. Mas nem por isso menos elucidativas:
São as mulheres clandestinas que maior responsabilidade tomam na defesa das casas pela assimilação que têm de fazer do ambiente em que vivem, pela adaptação aos costumes locais, pela preocupação permanente em não deixar que os vizinhos notem qualquer anormalidade. Esta constante vigilância, os nervos sempre tensos, fazem com que ao fim de alguns anos essas heróicas mulheres tenham a saúde abalada e o sistema nervoso completamente arrasado. (p. 55)
O colóquio quer trazer à superfície da actualidade esta realidade escondida antes e depois da libertação democrática de 1974. Antes, porque face à brutal repressão que se abatia sobre os resistentes – basta recordar que Dias Coelho foi morto por uma brigada da PIDE ao fim da tarde de 19 de Dezembro de 1961 – não havia tempo para limpar lágrimas. Depois, porque em democracia, o confronto político-partidário esfumou (quase) por completo o martírio dessas mulheres, que tudo fizeram para proteger a “sua” resistência. Os estados-maiores partidários incumbiram-nas de tarefas “menores”, nesse novo combate pela conquista de mais votos nas eleições.
Confrange o apagamento que vitimou duplamente estas mulheres, que, honra lhes seja feita, nunca vieram para a praça pública em atitude de vítimas. A sua superior dignidade merece, também por isso, uma reparação. Este colóquio não tem essa ambição. Mas enquanto sinal quer apontar para uma falta que é necessário reparar. E chamar a atenção de que é preciso preencher uma ausência, que não enriquece a nossa sociedade nem contribui para a conquista dessa auto-estima de que os analistas políticos dizem estarmos carentes.
O colóquio compreende três partes. A primeira é basicamente de abordagem histórico-sociológica. Três investigadoras universitárias, Irene Pimentel, Vanessa Almeida e Sónia Ferreira, procurarão definir o quadro histórico em que se processou a resistência destas mulheres à ditadura. A caracterização sociológica dessa sociedade e o retrato sócio-antropológico possível dessas mulheres resistentes também faz parte deste primeiro painel.
A segunda parte, à tarde, será dedicada aos testemunhos, à recordação das vivências, umas de mágoa, outras de alegria – mas todas exaltantes na sua intenção em dizer “não” à opressão. O documentário de Susana Sousa Dias, sobre o estatuto das enfermeiras no Estado Novo – condenadas ao celibato – abre esta sessão, que depois será preenchida com os testemunhos de quatro tipos de resistentes:
as clandestinas
as da resistência legal
as activistas do movimento estudantil
as resistentes do meio rural
Será, assim os esperamos, uma oportunidade para ouvir o que estas mulheres, que nunca se deram por vencidas, têm para dizer às novas gerações e, sobretudo, à geração seguinte, àquela a quem foi dada a democracia e bem depressa esqueceu essa dívida de gratidão.
O colóquio termina em convívio, como era costume nos círculos da esquerda democrática. A festa, a partir das 19h, será na Associação 25 de Abril e terá, como era de tradição, canto livre e sessão de poesia. Quanto ao resto, será a espontaneidade dos presentes a ditar o rumo dos acontecimentos.
Confiamos que valerá a pena vir e ver.
8 de Março – A Mulher na Resistência
Por proposta de Nuno Teotónio Pereira, apresentada no plenário do Movimento de 18 de Janeiro criou-se uma comissão ad-hoc para organizar no dia 8 de Março um colóquio subordinado ao tema “A Mulher e a Resistência”.
O colóquio vai decorrer na Biblioteca-Museu República e Resistência e desenvolver-se-á em duas partes, reservando para a noite uma sessão de convívio, a decorrer na Associação 25 de Abril:
Abertura por Nuno Teotónio Pereira, em representação do Movimento.
Contextualização histórica do período ditatorial do Estado Novo, por Irene Pimentel.
Comunicações de Vanessa Almeida sobre “As mulheres das casas clandestinas”;
e de Sónia Ferreira, sobre “Resistência feminina em Almada”
Apresentação da outra instituição co-promotora do colóquio:
UMAR – Manuela Tavares
Tarde – 14h30:
Projecção de um documentário sobre o papel das mulheres na resistência, no caso o estatuto das enfermeiras, centrado na figura da Isaura Borges Coelho, da autoria de Susana Sousa Dias.
Seguem-se depoimentos, em breves intervenções de 5 minutos, a partir do próprio auditório, com testemunhos do cárcere e da vida de resistência, das mulheres presas pela PIDE/DGS no período ditatorial do Estado Novo.
Para uma melhor articulação da sessão e evitar quebras de ritmo, ordenam-se os testemunhos em quatro grupos:
Clandestinas: Albertina Diogo; Domicília Correia da Costa; Ivone Dias Lourenço; Georgete Ferreira; Sofia Ferreira; Teresa Dias Coelho.
Resistência legal: Isaura Borges Coelho; Hortênsia Campos Lima; Isabel do Carmo; Helena Pato; Luísa Irene Dias Amado; Maria Eugénia Varela Gomes; Maria Purificação Araújo; Maria Jesus Barroso; Estela Piteira Santos.
Movimento estudantil: Gina Azevedo; Maria Emília Neves; Maria João Gerardo; Sara Amâncio; Teresa Pacheco Pereira.
Mulheres do Couço: Maria Custódia Chibante [a presença de outras mulheres dependerá do estado de saúde de cada uma delas].
Encerramento das actividades do colóquio na Biblioteca-museu República e Resistência às 17h30
Reabertura das actividades às 19h, na Associação 25Abril
Inauguração da banca de livros alusiva ao tema, com apoio da Ler Devagar, e preparação da sala da A25A para o convívio da noite.
Títulos a incluir (se possível):
- Ana Barradas: “As Clandestinas”; “Dicionário Incompleto das Mulheres Rebeldes” (Ed. Ela por ela)
- Irene Pimentel: “Organizações Femininas no Estado Novo” (Círculo dos Leitores); “Vítimas de Salazar” (Esfera dos Livros)
- Helena Pato: “Saudações, Flausinas, Moedas e Simones” (Campo das Letras)
- Maria Eugénia Varela Gomes e Manuela Cruzeiro: “Contra Ventos e Marés” (Campo das Letras)
- Margarida Tengarrinha: “Quadros da Memória”
- “ “ “ “ e José Dias Coelho: “A Resistência em Portugal” (Ed. Avante!)
- Maria Alda Nogueira c/ Ana Cunhal (ilus.): “Viagem numa Gota d’Água”; “Viagem numa Flor”; “As Coisas também se Zangam” (Ed. Caminho)
- Maria Teresa Horta: “Minha Senhora de Mim” (Ed. Futura, 1974 reed. em 2001)
- Paula Godinho: “Memórias da Resistência Rural nos Sul” (Ed. Celta)
- Rose Nery Nobre de Melo: “Mulheres Portuguesas na Resistência” (Seara Nova)
- Virgínia Moura: “Mulher de Abril” (Ed. Avante!)
Noite:
Convívio com poesia, música e canções, no átrio da Associação 25 de Abril, com o Vítor Sarmento e companheiros do Erva de Cheiro, um jogo de jograis, a cargo da Maria Emília Neves.
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