quarta-feira, agosto 31, 2005

Porquê o desinteresse de muitos

Pecados de autarcas

As eleições autárquicas estão aí à porta. O futuro de trezentos e tal concelhos e respectivas populações está em jogo para os próximos anos. Mais uma vez as listas foram cozinhadas na intimidade dos interesses, compadrios e ambições das minorias que são as concelhias partidárias, num processo em que os cidadãos foram arredados.
Os escolhidos aí estão, nos grandes «outdoors», pagos pelos contribuintes, «desatentos e obrigados», exibindo as suas caras sorridentes, com uma bonomia condescendente e promessas de «mais emprego», «mais segurança», «mais dinamismo», mais etc. etc. e tal. Nos poucos debates da televisão ou da rádio, aquelas «cabeças de lista» passam a maior parte do tempo em acusações mútuas sobre os respectivos passados ou a afirmar banalidades. Mas, enfim, já estamos todos habituados a estes rituais e o povo é sereno e cada vez mais desinteressado... Teremos, pois, o que merecermos pelo maior ou menor empenhamento na defesa da causa pública.

Este ano, no entanto, há um factor novo pela sua amplitude que é a quantidade preocupante de autarcas envolvidos em situações alvo de acção judicial. Negociatas ilícitas, «sacos azuis», favores, financiamento de partidos, fuga aos impostos, enriquecimentos pessoais, facturas falsas, ostensivos sinais exteriores de riqueza, ameaças e outras «delicatessen», vão sendo conhecidos. Isto será a ponta do «iceberg» como dizem por exemplo, Maria José Morgado e Saldanha Sanches. O engraçado é que todos os acusados respondem, invariavelmente, que estão de consciência tranquila, a qual está muito mais espalhada no nosso país do que o bom senso do velho Descartes...
Situações destas, que estão a minar o nosso país desde há muitos anos, eram até há pouco tempo negadas com indignação. Hoje, a inefável Associação Nacional de Municípios, em vez de tomar a iniciativa de proceder a uma eficaz avaliação do que se passa nas Câmaras, até para própria defesa do bom nome de muitos autarcas honestos que felizmente ainda existem, pede com ar seráfico que apresentem provas e façam acusações formais, como se não soubesse o que é do conhecimento geral. Após o que o vice-presidente da Câmara do Porto, Dr. Paulo Morais, afirmou em entrevista na última Visão, de que recomendo a leitura, não há desculpa para mais delongas. Assim, refiro entre outras: «Os vereadores do Urbanismo que aceitam transferir bens públicos para aqueles que dominam os partidos estão a enriquecer pessoalmente e a destruir a democracia. Nas mais diversas câmaras do país há projectos imobiliários que só podem ter sido aprovados por corruptos ou atrasados mentais».
A nossa Justiça tem de actuar de forma eficaz e exemplar, sob pena de se tornar ela própria no coveiro do nosso Estado de Direito. Os interesses ilícitos do sector imobiliário têm sido o cancro do comportamento ético deste país. As Autarquias detêm neste sector um poder imenso que, qual varinha de condão, pode transformar um pobre num rico, ou um rico num ainda mais rico. Não são as negociatas imobiliárias que mais me chocam, e deixo isso à polícia, mas sim ao que, com isso, se está a fazer às nossas cidades, vilas e aldeias, transformando-as em asquerosos aglomerados de mamarrachos, onde as pessoas terão de viver muito abaixo da qualidade a que têm direito. Este é, para mim, o maior pecado dos autarcas desonestos e de quem os corrompe.

Miguel Ramalho no EXPRESSO, 30 de Agosto 2005

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