quinta-feira, junho 02, 2005

O mistério da produtividade e/imigrante

Os portugueses são conhecidos por serem pouco produtivos no solo pátrio mas dos mais produtivos em solo estrangeiro. O que é que em Portugal os torna a eles menos produtivos?

Para um país à procura de novos níveis de produtividade, que nos escapam, este debate é decisivo e deve ser organizado, sem a urgência dos dividendos partidários. Os trabalhadores, os profissionais, os empresários, os dirigentes devem ter ideias claras e sintonizadas a este respeito, sem o que não saberão, ao mesmo tempo, defender os seus interesses e o interesse nacional.

A contribuição que aqui deixo refere-se ao tema evocado misteriosamente como “a mentalidade”.

A mentalidade de um povo é fixada não pelas vontades individuais – se assim fosse, não seria explicável a produtividade fora da pátria – mas sim pelo tipo de relacionamento típico entre as pessoas. Se há característica notória é a incapacidade de organização portuguesa, ou melhor, a dependência radical de uma vontade externa condutora da acção colectiva. Não sei porquê, tem-se chamado a isso “individualismo”, quando é submissão. Mesmo durante a revolução de Abril, um estudo sociológico mostrou como a auto-organização da produção dependia de homens que, contra sua vontade, eram mantidos na posição de caudilhos e pedra de toque de pequenas estruturas sociais.

Hoje em dia temos a “sociedade civil” mais inerte de toda a União Europeia, porque as iniciativas cívicas se deixam deslumbrar pelos controleiros ou pelos guias de entidades politicas e confessionais vertiginosamente hierarquizadas, a ponto de o debate de ideias ser praticamente irrelevante nestes meios. Em Portugal sente-se como repugnante que alguém, sem interesse aparente, tome uma posição. O ódio aos políticos vem daí: alguma coisa de muito tangível eles devem estar a beneficiar, pensa-se. Rapidamente emergem processos de intenção (em geral, em surdina) que isolam a ideia (tornada perversa), impedem qualquer debate com significado e soltam aos pescadores de águas turvas.

Nas organizações e nas empresas, como nas escolas, desconfia-se de quem tenha opinião (“mau feitio”) e reprimem-se tais práticas com o duplo pretexto de que haver o risco de ideias novas aumentarem a carga de trabalho e alterarem as rotinas ou de porem em causa a liderança. Os alunos são convidados a copiar os professores acriticamente, e depois não tem ideias próprias para desenvolver e até acham que as suas ideias – que possam espontaneamente emergir – devem ser reprimidas, por serem incómodas e inconvenientes para os colegas e professores. Os professores devem obedecer radicalmente aos programas e às pedagogias – modernas ou tradicionais – sem se responsabilizarem pelas aprendizagens realmente vividas pelos seus alunos. Os trabalhadores são estimulados a resistirem ao trabalho, como se tivesse que ser uma coisa externa e dolorosa, até porque a principal política de “competição” tem sido os salários baixos. Dos quadros exige-se fidelidade às chefias em vez de competência, até porque esta última é sentida, não raramente, como uma ameaça às gerações mais velhas, ainda pior formadas que os mais novos.

Um Portugal diferente terá que ir ao psicólogo e responsabilizar-se solidariamente para romper o ciclo repressivo das potencialidades dos portugueses, que suporta a economia depressiva que temos vindo a desenvolver. Apesar das teorias do “oásis” ou do Portugal na moda, resta-nos a tanga do fio dental. O que duvido é que tenhamos tempo e recursos para esperar que a mesma classe dirigente que nos trouxe ao beco sem saída faça a sua terapia, até porque uma das virtualidades da democracia é a possibilidade que nos oferece de mudar de classe dirigente sem violência.

António Pedro Dores
(sociólogo)

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