terça-feira, junho 07, 2005

Escolhas que desmatam

A floresta devorada por culturas de soja e gado na Amazónia é o resultado de uma opção do governo pelo crescimento económico que continua gerando desigualdade social
Leonardo Boff

Adital - Os dados de 26.130 quilómetros quadrados de desflorestação da Amazónia em 2005 (ao todo já se perderam mais de 550 mil Km2 só n o Brasil) representam uma verdadeira devastação. Não sem razão se fizeram ouvir protestos no Brasil e na imprensa internacional. Por que é que acontece este desastre exatamente com o Governo Lula, no qual a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva é uma profunda conhecedora das questões amazónicas e possui uma forte consciência ecológica, como nunca antes tinha acontecido na administração pública?

A razão principal reside na contradição entre duas opções de Governo: a do crescimento económico e a da preservação ambiental. Obrigado a pagar a dívida interna e externa, o Governo optou pelo crescimento económico, especialmente nas frentes de produção que exportam grãos e carnes e que trazem dólares. A soja e o gado exigem grandes dimensões de terra que são conquistadas à floresta, principalmente, no Mato Grosso onde o Governador é apresentando como o "rei mundial da soja". O crescimento é preferencial embora a retórica do Governo o queira com justiça e distribuição de renda. Os dados, entretanto, desmentem tal objectivo: a concentração de renda está aumentando, gerando desigualdade social que é o verdadeiro nome da injustiça.

A outra opção é por políticas de preservação do meio-ambiente e da biodiversidade com medidas inteligentes mas cujos efeitos demoram a se fazer sentir. Acontece que a falta de uma cultura ecológica na sociedade e na política não oferece sustentação a esta opção conservacionista. Ela não tem peso político e está restrita ao Ministério de Meio Ambiente. A transversalidade da Ministra Marina Silva tem lastro curto.

O principal responsável pela desmatação não é o Governo brasileiro, mas o paradigma mundial de produção de bens materiais, que se impõe a todos como modelo único. Acossado pela alta dívida externa, o Brasil vê-se forçado a assumir este paradigma, quando poderia ser um dos poucos países do mundo a apresentar e realizar uma alternativa. Lamentavelmente não há neste Governo massa crítica para ousar outra via. Entretanto, os mais importantes analistas mundiais já há anos estão advertindo que esse modelo nos poderá levar a um grande impasse. A médio prazo, ele será simplesmente insustentável, especialmente agora que a China e a Índia se tornaram verdadeiras bombas de sucção de recursos naturais escassos no mundo inteiro.


A DIVERSIDADE DE ECOSSISTEMAS faz com que a Amazónia seja abrigo para 25% das espécies vegetais e animais da Terra, poucas ainda exploradas comercialmente

Quanto à Amazónia precisamos cuidar dela senão o mundo usará contra nós o argumento válido relativo à propriedade privada: ela só é legítima enquanto mantiver a sua função social. Caso contrário, poderá ser desapropriada. As políticas de Governo devem garantir que a propriedade privada brasileira sobre a Amazónia tenha uma clara função social mundial.

Esperamos não ir alegremente na má direcção. Senão os nossos filhos e netos irão dentro de pouco tempo dizer que nós poderíamos ter evitado o desastre. Não quiseram ouvir a Ministra Marina Silva e tantos outros. Vejam que Terra nos legaram, devastada, sem mancha verde, sem água suficiente, sem biodiversidade e sem integridade. Talvez nem possamos mais regenerá-la. E então? Et erat videre miseriam…

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