terça-feira, maio 17, 2005

Rescaldos do Encontro de Évora

FSP (Resistências e alternativas) - 14 Maio 2005

Assisti apenas a duas das conferências da manhã, o que chegou para confirmar a inutilidade deste formato num Encontro que se pretende alternativo e pro-activo: os oradores eram gente conhecida que falou bem como já se ouviram antes sobre assuntos com os quais todos (os que participam nestas iniciativas) concordam.


As oficinas são potencialmente mais interessantes, mas eu não consegui mais que assistir a dois documentários promovidos pelo CIDAC. Um em parceria com a Solidariedade Emigrante, sobre Emigrantes, fabuloso: "Lisboetas", de Sérgio Trefaut. O outro, exibido em parceria com a ATTAC, foi uma surpresa: "The Take", um documentário canadiano de Avi Lewis e Naomi Klein sobre o renascimento alternativo da Argentina.


Image hosted by Photobucket.com


Logo após ser eleito Presidente da Argentina, em 1989, Carlos Menem avança com extensas privatizações e a anexação do peso ao dólar americano. Como resultado, o desemprego triplicou, a dívida pública disparou, e a corrupção generalizou-se. Apesar destes sinais, o FMI (Fundo Monetário Internacional) continuou a emprestar milhões de dólares à Argentina até ao aparatoso colapso económico de 2001. Quem podia (e ainda não tinha saído, porque isto há sempre quem seja informado primeiro...) começou a sair do país com o dinheiro que restava, e Menem decide congelar as contas bancárias dos cidadãos. A multidão sai à rua, enfrentando a polícia de choque e os militares: duas dúzias de mortes entre os manifestantes. Aquele que até há poucos anos era o país mais próspero da América Latina, tem hoje mais de 50% da população abaixo do limite da pobreza.

O colapso financeiro, concomitante com a fuga da maioria dos patrões/proprietários, que levam com eles grande parte dos 10 anos de subsídios estatais emprestados pelo FMI, teve como consequência imediata o encerramento de fábricas, escolas, postos de saúde, etc. Foi esse o caso da Forja San Martin, nos arredores de Buenos Aires, que deixou 300 desempregados. Estes 300 trabalhadores resolveram ocupar a fábrica e retomar o trabalho, inspirados por uma ocupação similar duma Fábrica de Cerâmica (Zanon) na Patagónia. O filme "The Take" documenta justamente esta ocupação. Com as fábricas de volta à laboração, os antigos donos procuram recuperá-las, assistindo-se no documentário a muitas cenas de corrupção de agentes do Estado. Os ocupas levam o(s) caso(s) a tribunal, e gradualmente vão conseguindo expropriações a favor das comissões de trabalhadores. Estas expropriações baseiam-se no facto das fábricas terem sido construídas a partir de subsídios estatais e não de dinheiros privados dos proprietários.

Neste momento já existem na Argentina mais de três centenas de empresas, desde a produção de bens primários a escolas e serviços, geridas pelos próprios trabalhadores. Curiosamente, não existe um modelo único: na tal Zanon decidiram que todos os trabalhadores receberiam o mesmo salário, mas outras empresas optaram por manter a discriminação salarial.


Não penso que isto seja uma ameaça ao Capitalismo, antes uma maneira alternativa de o viver. Ou um capitalismo controlado que não favoreça parasitas. De qualquer modo, o que mais me impressionou neste filme, foi o demonstrar que (1) a mudança social é possível, e (2) que os partidos não são imprescindíveis para esta mudança. Aliás, só penso que os vários modelos de gestão adoptados foram diferentes, exactamente por nascerem da vontade dos próprios, e não impostos de fora, segundo um código de conduta comum. E os modelos responderam a uma necessidade concreta, sem terem que obedecer a agendas mais globais. Curiosamente, são entrevistados vários trabalhadores duma mesma Comissão acerca das eleições que se avizinhavam, e as intenções de voto abrangem todo o espectro de candidatos (mesmo Menem, o principal culpado da situação!).

À exibição do filme nos Encontros de Évora seguia-se um debate sobre a possibilidade de governação à esquerda. Na mesa, como habitual, representantes de partidos, cada um com o seu discursozinho preparado. Em vez de explorarem o filme, falaram como quem pede votem em mim. Não aprenderam nada! Não perceberam que a mudança como eles a pretendem: um sistema neo-liberal como o que temos, governado por mandantes de um partido de esquerda, não só é impossível, como nunca resultaria! Não percebem que a mudança tem que se operar por baixo, como a Argentina está a tentar. Uma vez mudada a base, qual o problema em estabelecer políticas nacionais mais justas, mais igualitárias?... Pedi à mesa que comentasse o ponto (2), mas eles tinham muitas outras coisas para dizer.

mpf


Sem comentários: