quarta-feira, outubro 06, 2004

O segredo da Abelha

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No meio de tudo isto, quase passou despercebida a visita a Beja do nóvel ministro da Agricultura, Costa Neves. No entanto, ela poderá ter grandes implicações para o futuro da componente agrícola de Alqueva e para o desenvolvimento desta vasta região deprimida e em processo de desertificação. A julgar pelos títulos da imprensa, as notícias são boas: o sistema de regadio poderá atingir a sua plenitude, abrangendo 110 mil hectares, dez anos antes da data prevista - isto é, já em 2015 – e poupando 250 milhões de euros ao investimento previsto.

Um autêntico milagre da multiplicação de canais de rega! Tanta fartura que o pobre desconfia… E não é caso para menos, se esmiuçarmos a proposta do governo que cria, à partida, duas alternativas: a "chave na mão" ou o “modelo personalizado”. No primeiro caso, será o Estado a construir e gerir, como estava previsto, os sistemas de regadio públicos no perímetro de Alqueva; o “modelo personalizado” deixa às médias e grandes explorações – e apenas a estas - a tarefa de instalar o sistema de rega e os seus vasos capilares dentro de cada propriedade.

O “segredo da abelha” veio a seguir: quem aderir ao “sistema personalizado” – e só nas médias e grandes explorações, o que exclui à partida os pequenos agricultores - terá uma redução do preço da água superior a 50%: menos de três cêntimos por metro cúbico, ou seja abaixo dos 6$00; em 2002, o governo PS fixara um preço já subsidiado de 11$00 por metro cúbico. Não admira pois o contentamento dos representantes da CAP perante este autêntico bodo ao latifúndio!

Mas, em vez de estimular a produtividade da terra regada, esta medida vem fomentar o parasitismo e a especulação. Desde logo porque, mesmo com água ao preço irrisório de 3 cêntimos por metro cúbico, muitos latifundiários não vão investir um cêntimo na famosa rede capilar, nem sequer plantar um pé de alface… Num ápice, sem fazerem nada, com a água quase ao preço da chuva, as suas propriedades valorizam-se 400% ou 500%; grande parte delas serão vendidas a investidores e grandes companhias agrícolas espanholas ou de outra proveniência.

E assim se “poupam dez anos e 250 milhões de euros”, abdicando de instalar a rede terciária, os tais capilares que garantiriam a implantação efectiva do regadio em toda a área e dariam autoridade ao Estado para exigir o uso produtivo da terra regada, sob pena de expropriação de quem não utilizar devidamente a água. É uma poupança de efeitos perversos que vai manter muita terra improdutiva, à espera da venda pelo melhor oferta, deixando à espontaneidade do mercado, isto é, à especulação fundiária, a eventual instalação da rede capilar e do regadio.

Parece assim afastado o fantasma do ‘socialismo hidráulico’, agitado pelo agrário salazarista Pequito Rebelo para combater o plano de rega do Alentejo. Afinal o latifúndio soube adaptar-se a Alqueva e aprendeu a nadar ou, pelo menos, a boiar enquanto tiver no poder amigos como o ministro que agora lhes oferece água a 3 cêntimos o metro cúbico – salvo o pequeno pormenor de esta ser paga por todos nós, contribuintes sem terras nem contas bancárias nos off-shores e que, ainda por cima, não podemos fugir ao pagamento de impostos!

Alberto Matos (Rádio pax)

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