terça-feira, julho 13, 2004

Engrossando o andar de baixo

Em vinte anos de neoliberalismo, passaou para o dobro o número de nações miseráveis. E apenas uma aproveitou as ditas oportunidades da globalização, promovendo-se a "país em desenvolvimento".

Daniel Merli

Mobilidade social. Oportunidade de ascenção dos mais competentes. Inserção dos países periféricos num mercado global. No início dos anos 1990, estes argumentos faziam parte de qualquer texto sobre as vantagens do neoliberalismo. Pelo menos por enquanto, o balanço dessas mudanças continua sendo negativo. No começo deste mês, reuniram-se, em Genebra, o grupo dos PMD, os Países Menos Desenvolvidos – a classificação eufemística para o que já foi ironicamente chamado de 4º mundo. Participaram num encontro do Conselho Económico e Social da ONU (Ecosoc), para discutir porque é que "no meio de uma prosperidade mundial, sem precedentes, a situação dos países mais pobres se tem tornado cada vez mais frágil".
A primeira constatação foi numérica. Desde 1980, os PMD praticamente duplicaram. Inicialmente, eram 26 países. Hoje, são exactamente 50. De todo o grupo, apenas foi promovido, passando à categoria de "país em desenvolvimento". Foi a república africana do Botswana – que, mesmo tendo subido um degrau, é obrigada a conviver com o amargo título de uma das nações mais desiguais do mundo. A sua ascenção, nada tem a ver com o acesso às novas tecnologias do século XXI. O PIB de Botswana aumentou graças a um negócio ainda remanescente da era colonial: a mineração de diamantes, que corresponde a 90% das exportações do país.
Duas outras nações, apresentaram "progressos" e estão "gradualmente" a passar para o andar de cima: o arquipélago africano de Cabo Verde – que recentemente descobriu novas reservas de petróleo – e as pequenas Ilhas Maldivas, ao sul da Índia. A última é, talvez, a única que vem ganhando dinheiro com uma área recomendada pelo Banco Mundial. Cerca de 20% de seu PIB vem do turismo.

Para conselheiro da ONU, a única saída é a anulação da dívida:
"Apenas com seus próprios esforços, os PMD não poderão sair da situação actual", concluiu o brasileiro Rubens Ricúpero, secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para Desenvolvimento e Comércio (Unctad). A constatação é feita com base em dados preocupantes. Segundo os cálculos da própria ONU, os países miseráveis precisariam de 100 mil milhões de dólares, nos próximos 10 anos, para cumprir as Metas do Milénio – entre outras coisas, reduzir para metade, até 2015, o número de pessoas vivendo abaixo do limiar da pobreza. Se o dinheiro não for investido, em vez de diminuir, a população miserável deve subir de 334 milhões para 471 milhões.
O conselheiro especial da ONU para economia propôs uma solução já conhecida. "Chegou a hora de acabar com este problema: Se os países ricos não anularem as dívidas, vocês mesmo devem cancelá-las", incitou Jeffrey Sachs, professor da Universidade de Columbia. "Se a dívida do Iraque foi anulada, por que não vossa?''. Lembrou que o governo de Saddam Hussein devia 120 mil milhões de dólares a credores estrangeiros. Não muito menos que os 145 mil milhões de dólares em débito de todos os PMD juntos.

Fontes:
World´s Poorest Nations on Slippery Slope, Thalif Deen, agência IPS.
Africa Shouldn´t Pay its Debt, Says Annan´s Adviser, Addis Ababa, agência All Africa.

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