quarta-feira, junho 09, 2004

Na Europa, como em Portugal…

Ao entrar na última semana da campanha, gostaria de partilhar com os ouvintes algumas reflexões sobre o que está em jogo no próximo domingo, 13 de Junho. Muito se tem falado sobre os elevados índices de abstenção, tradicionais nas europeias; muito se tem comentado sobre os insultos trocados entre vários candidatos, às vezes com a melhor das intenções mas, quase sempre, amplificando e subindo o tom dos piropos e desviando as atenções do essencial. Alguns dizem que se discute pouco a Europa e mais a governação em Portugal, o que seria quase inevitável ao fim de dois anos de desgoverno da direita que precipitaram o país na pior crise económica, social e de auto-estima desde o 25 de Abril. Em minha opinião, a discussão da Europa não é dissociável da análise crítica da realidade nacional e, desde logo, da governação. E para isso escolhi quatro tópicos.

O primeiro é a chamada Constituição Europeia, cozinhada numa convenção por cerca de duzentos “sábios”, incluindo alguns portugueses – não, não vou dizer os nomes, pois eles nada fizeram digno de nota e da sua obra não rezará a História; mas não é difícil adivinhar que saíram todos do ”bloco central” PS-PSD (que continua a funcionar na perfeição, em matéria europeia) e de meios ligados à gestão empresarial. O produto destas “Cortes” presididas por Giscard d’Estaing, candidato a novo “Rei-sol”, só podia ser uma cartilha neoliberal e nunca uma Constituição democrática, que só pode sair duma assembleia constituinte eleita e preparada por uma discussão profunda, tão longa quanto o necessário, envolvendo todos os povos da Europa e não apenas as autoproclamadas elites da aristocracia financeira. No plano interno, passadas as europeias, a direita no governo e o PS preparam-se para nos impor esta mistela anti-democrática, sem o referendo que nunca quiseram, sobrepondo um mero tratado à Constituição portuguesa, filha do 25 de Abril.

O segundo tópico é o chamado Pacto de Estabilidade e Crescimento, o famigerado PEC servido a frio pela ministra Manuel Ferreira Leite mas negociado, nos tempos do governo PS, por uma equipa integrada por Sousa Franco. Este pacto que ambicionou submeter a vida e a dinâmica económica ao dogma monetarista do défice zero e inflação tendencialmente nula, foi considerado “uma estupidez” pelo próprio presidente da Comissão Europeia, Romano Prodi. Mas tal não impediu a sua aplicação, lançando a economia europeia na mais profunda recessão desde a criação da CEE, apesar de alguns grandes países, como a Alemanha e a França, terem recusado cumprir as metas do défice público. Em Portugal, já se sabe, a submissão do governo da direita ao pacto da estupidez garantiu-nos o último lugar no comboio dos 15, podendo ser ultrapassados a breve prazo por outros parceiros duma UE a 25. A alternativa a este Pacto de instabilidade social e decréscimo económico só pode ser um novo pacto pelo emprego e pelo desenvolvimento sustentável, com recurso à emissão de dívida pública europeia para garantir o investimento reprodutivo – como sempre aconteceu até ao triunfo dos ‘boys’ da escola de Chicago, representada por Reagan, Thatcher, Cavaco Silva e sucessores.

O terceiro tópico é o drama sem fim à vista guerra do Iraque e do massacre da Palestina e a luta pela paz na Europa e no mundo. E aqui as opções são muito claras: a tarefa imediata dos eleitores europeus e portugueses é castigar os governos que subscreveram a mentira das “armas de destruição maciça”, figurantes da farsa dos Açores e da célebre fotografia do “bando dos quatro”: Aznar foi o primeiro e, não por acaso, o seu sucessor Zapatero bate recordes de popularidade após a retirada das tropas espanholas do Iraque. Durão e Blair poderão ser os senhores que se seguem no castigo das europeias e Bush não escapará incólume à vergonha sem limites da tortura sistemática e com requintes de malvadez de prisioneiros iraquianos. Mas não basta castigar Durão e Portas, é preciso saber qual a alternativa, quando temos o Presidente da República cúmplice da presença da GNR no Iraque e um PS que não consegue ter o rasgo do seu congénere espanhol. Ainda por cima quando está a ser cozinhada uma resolução do Conselho de Segurança da ONU para reconciliar invasores e os críticos da Rússia, da China, da França e da Alemanha, prometendo a estes umas migalhas e, quiçá, algumas gotas de petróleo iraquiano. Mas a guerra e o terrorismo não vão terminar o seu cortejo de
morte e a luta pela Paz não pode ficar entregue aos vendilhões do Templo.

Por último, a recomposição das esquerdas europeias. Ultrapassados os traumas da queda do muro de Berlim, urge reforçar a nova esquerda europeísta e internacional para refundar uma UE democrática e reerguer, sem complexos, a bandeira do socialismo. Para isso, todos os votos contam no próximo dia 13.

Alberto Matos

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