A pergunta é simples: de onde surgiram tantas pessoas cultas, inteligentes, sutis, antenadas, irônicas, profundamente críticas & politizadas? Onde estavam escondidos esses jornalistas que se reservam o direito de falar sobre economia, ideologia, moda e cinema como se estivessem dando uma receita de panqueca de espinafre? Assim, sem mais, na maior calma, eles falam de Islamismo, Oriente Médio, saldo da balança comercial, criação de camarões, futebol, samba, BID, teologia e mesclam na maior competência erudição e coloquialismo, dando a impressão que estão num boteco à beira mar beliscando batatinhas chips e bicando um chope sem colarinho.
São personagens que argumentam, imputam, levantam questões candentes, são diretos ou elípticos, são engraçados, charmosos, distribuem carisma num raio de quinhentos metros, são pretensamente sinceros, singularmente éticos, guardam parâmetros de uma escala de valores pra lá de subjetiva. Eles sorriem pelo canto dos lábios, franzem a testa, são irreverentes, destilam veneno pelos poros, estão por cima da carne seca, são os mágicos das palavras, tudo para eles é emblemático, endógeno, virtual, aparecem na TV, escrevem nos jornais e revistas, são celebridades, dão entrevistas em talk shows, publicam livros, são reconhecidos nas ruas, são ecléticos.
Eles são OS CRONISTAS, essa classe bastarda que se solidificou na mídia faz uns dez anos e cagam regras sobre todos os assuntos que lhes passa pela cabeça. São um misto de editorialistas & fofoqueiros. Têm liberdade, ganham uma baba, são endeusados pelo povinho letrado, querem ser reconhecidos pelas ruas em que passam, vivem para dar opiniões mas, em geral, não teriam a mínima credibilidade num país sério.
Teve uma época no jornalismo brasileiro em que o cronista era o cara que escrevia sobre o Dia da Bandeira, a queda de um balão na periferia, a Festa de Cosme e Damião, o Dia das Mães, férias na fazenda, um churrasco na casa do cunhado. Tiravam leite de pedra. De uma minúcia, conseguiam pular para o universal, usavam de um minimalismo antes mesmo que ele fosse inventado. Hoje, são clássicos, textos geniais, belíssimos e atuais depois de 40 anos. Atendiam pelos nomes de Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Eneida, Vinícius de Morais, Otto Lara Resende.
As atividades profissionais nos jornais daquela época eram estanques: quem escrevia sobre política era formado em Sociologia, tinha estudado, não raro tinha pós graduação na Sorbonne; quem escrevia sobre Economia era economista com passagem em Harvard ou Berkeley; teologia era terreno exclusivo para os teólogos; a Arte ficava a cargo de estudiosos, analistas, críticos, pesquisadores, não necessariamente acadêmicos. Quem escrevia os editoriais eram caras percorridos na estrada, já tinham estagiado na reportagem, entrevistado personalidades nacionais e estrangeiras, feito cursos, possuíam estofo e bagagem.
Hoje, qualquer merda mete o bedelho em tudo e, o que é pior, usa a coluna em proveito próprio, fala da conta absurda do telefone, da luz, do gás, do aumento abusivo do seu Plano de Saúde, da fila nos cinemas. No mesmo texto, o cara analisa a desastrosa política do governo, fala do seu poodle que ele ama de paixão, diz que a Fernanda Lima é o seu objeto do desejo e, de quebra, ainda elogia o último disco do Zeca Pagodinho. São oligofrênicos, são histéricos, viajam na maionese e na mostarda, têm rebarbas comprometedoras de anos e anos de cocaína, se acham experts em tudo que é assunto. Entendem de Getúlio Vargas, decodificação do DNA, Brecht, clonagem da Dolly, comparam o pop da Madonna com Carmina Burana, dizem que os livros de John Grishan têm muita adrenalina, os filmes do Denys Arcan são autênticas vias sacras contemporâneas e que as livrarias são points.
Furio Lonza
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