quinta-feira, abril 15, 2004

Presidenciais à esquerda

Li o que aqui escreveu o Eng. Edgar Correia sobre a necessidade da esquerda encontrar um candidato ganhador para as próximas eleições presidenciais. Comungo da sua análise no que respeita à importância, para a esquerda e para o país, da derrota da direita nesse acto eleitoral. Do mesmo modo, identifico-me com o carácter de exigência cívica que, de acordo com uma postura de abertura, não sectária e construtiva, deve assistir a esquerda, os seus diferentes partidos e movimentos, na procura de uma alternativa (entenda-se de um candidato) nessas mesmas eleições. Mas fica por aqui, pelos pressupostos analíticos do problema, o meu grau de identificação com o pensamento de Edgar Correia.

Não posso concordar com o que de essencial parece prevalecer do seu pensamento: que à cegueira do sectarismo pseudo comunista do PCP só se possa opor, como alternativa válida para a esquerda, uma candidatura como a de António Guterres.

António Guterres é uma figura da ala direita, católica e conservadora, do PS. É o mais directo responsável, por via do seu exercício político à frente do último governo socialista, pela circunstância de ser hoje possível ao governo de direita fazer o que faz. Inaugurou o paradigma da nossa história política recente, tão falso quanto absolutamente enraizado no nosso imaginário popular, segundo o qual a esquerda é intrinsecamente despesista, irresponsável, laxista, etc., por exemplo em tudo o que respeita a gestão de dinheiros públicos, à capacidade para reformar o aparelho de estado, de tornar mais competitiva a nossa economia, ou de concretizar uma aposta (tão desesperadamente necessária) na nossa educação e na qualificação técnica e científica da nossa mão-de-obra. O corolário deste pressuposto é o que, por ventura, está na base do (ainda assim e até ver) escasso apoio popular deste governo neo-conservador e neo-liberal: o de que só um governo de direita é que serve para arrumar a casa e pôr as contas em ordem. (Ocorre-lhe, Eng. Correia, alguma transformação de regime na nossa história contemporânea que se tenha feito valer do mesmo tipo de demagogia? A mim sim!).

Portanto penso que tem que existir uma outra alternativa. Penso que a projecção e análise políticas que se constituem como verdadeiros desafios à esquerda no nosso tempo, não se podem jogar simplesmente no plano do imediatismo eleitoral, por mais relevante que ele seja (e é!). Semear uma verdadeira alternativa de esquerda unida, consequente e candidata ao exercício do poder, não pode ter como única solução, mesmo no actual estado das coisas, o apoio a um candidato como é António Guterres.

Vale portanto mais a pena perder as próximas eleições, mas escolher e votar num candidato de esquerda, do que votar num candidato com possibilidade de ganhar (será?) mas que é de uma esquerda velha, gasta, igual ao que nos habituou, durante anos, o último governo do PS.

A menos que se considere que essa é a única alternativa possível, que essa é a única esquerda que nos resta, e que se tenha atingido um estado tal (inclusive psicológico) em que o nosso optimismo e a nossa combatividade estejam reduzidos a uma lógica eleitoral de votar no “menos mau”. Esses “estados” merecem o meu sincero respeito, mas nunca a minha concordância, a esquerda que quero contribuir para engrossar não baixa assim os braços.

Sacadura Pinto

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