domingo, abril 04, 2004

Os Dilemas da Democracia

(...) A democracia pragmática, a que deixou de acreditar no pleno emprego e olha o desemprego endémico como uma fatalidade, a que deixou de insistir no alargamento dos direitos sociais e apela à sua reforma em nome da competitividade, tem já pouco a ver com as crenças, as visões nem as ideias arrojadas que tanto empurraram a esquerda do SPD alemão dos anos 20 como o conservadorismo de Churchill nos anos 40. Foram aliás essas forças reformistas que permitiram a prosperidade e o desenvolvimento do capitalismo e afastaram da maioria dos países desenvolvidos os mitos das sociedades totalitárias de inspiração comunista.

Ora, o que hoje vivemos, o que transparece cada vez mais para os cidadãos é que a democracia do Ocidente se move cada vez mais pelo interesse particular e não pela procura o bem comum. Os resultados, aliás, comprovam a suspeita: nunca, como hoje, os países ricos estiveram tão afastados dos níveis de rendimento dos países pobres, nunca, como hoje, o leque salarial entre administradores e empregados esteve tão extremado nos países europeus.

Recusar a democracia por reconhecer os seus problemas não é receita, mas não se pode considerá-la como um código sagrado, imune à experiência e insusceptível de crítica e aperfeiçoamento. Até porque, para muitos cidadãos, o ideal de regime democrático não é uma utopia: existiu e ainda resiste em países da Escandinávia, por muito que a globalização e o nivelamento por baixo dos salários e dos direitos sociais ameacem os seus fundamentos. Podendo a generalidade dos cidadãos aspirar a uma sociedade mais estável e justa, porque hão-de aceitar sem angústia uma democracia que caminha em sentido contrário?


Manuel Carvalho, no Editorial de hoje do Publico

Está tudo dito; nem comento...

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