Não, não é gralha nem simples trocadilho com a tradicional sigla da Ovibeja: “Todo o Alentejo deste Mundo”. O título é 100% intencional e retrata uma face menos conhecida desta terra que continua a ver sair muitos dos seus filhos e filhas para a grande Lisboa, para a Europa, para as sete partidas do mundo. Mas a situação começou a inverter-se com a chegada de largos milhares de imigrantes que têm contribuído para a criação de riqueza e para que o saldo demográfico dos últimos anos não seja ainda mais negativo.
No recente Congresso Alentejo XXI, no painel sobre o despovoamento, usei a seguinte caricatura: “façamos amor e abramos os braços aos (às) imigrantes”. Mas o despovoamento é apenas um aspecto da desertificação do Alentejo e do sul peninsular. E há duas formas de encarar a imigração: como problema ou como oportunidade, como parte integrante das soluções necessárias. Portugal precisa de 200 mil novos imigrantes por ano, só para estancar o envelhecimento da população e manter a sustentabilidade do sistema de segurança social. A História demonstra que as migrações têm sido um factor de enriquecimento multilateral, de diversidade e miscigenização de povos e culturas.
No Alentejo, serão uns 20 mil, repartidos pelos quatro distritos, a que acrescentaremos mais uns 25% de ilegais, num total que rondará os 25 mil imigrantes, com grande mobilidade geográfica e laboral. No distrito de Beja, uma projecção com base nos 230 sócios da “Solidariedade Imigrante” (quase 5% do total, amostra mais representativa do que a generalidade das sondagens) indica a seguinte distribuição.
Nacionalidade: Ucrânia – 55%; Brasil – 12%; Rússia – 7%; Roménia – 6,5%; Moldávia – 6,5%; Geórgia – 3%; restantes – 10%.
Grau académico: 22,5% são licenciados (12,5% universitários e 10% politécnicos e tecnico-profissionais) e 57% concluíram o ensino secundário; só 20% se limitam à escolaridade básica, o que confirma uma formação bastante acima da média portuguesa.
Sectores de actividade: a construção civil (57,6%), a agricultura (27,7%) e a hotelaria (6,7%) ocupam 92% dos trabalhadores imigrantes.
Por concelhos, uma surpresa (ou talvez não): Odemira (31%) lidera, seguido de Beja (23%), Vidigueira (8%), Moura (6%), Ourique (5,5%), Ferreira do Alentejo (5%), Serpa (4,5%) e Almodôvar (4%).
A liderança de Odemira está ligada à agricultura e ao regadio, concretamente à zona das várzeas e estufas que se estendem de Vila Nova de Mil Fontes ao Brejão e a Odeceixe, com grande produção de horto-frutícolas (alface, morango, framboesa) e floricultura, directamente para os mercados europeus.
Este é um indicador precioso para o futuro. Com o avanço dos regadios de Alqueva, o recurso aos imigrantes já está a aumentar em concelhos como Ferreira do Alentejo e vai generalizar-se, sobretudo se não se concretizar a reestruturação fundiária – a tão temida nova reforma agrária que divida a terra em explorações racionais que não ultrapassem os 50 hectares e viabilize alguma agricultura familiar e cooperativa, fixando os jovens alentejanos à terra e promovendo as culturas biológicas e amigas do ambiente. O predomínio do latifúndio e das grandes companhias agrícolas, segundo o modelo económico-social andaluz, implicará o recurso a uma mão de obra intensiva, barata e descartável: em Espanha, magrebinos; em Portugal, ucranianos, brasileiros, moldavos, romenos ou búlgaros e, certamente, muito poucos alentejanos.
Em todo o caso, é certo que os imigrantes vieram para ficar. Acolhê-los e defender o trabalho com direitos, combater o dumping social e as mafias da moderna escravatura, é matéria de interesse vital para fazermos do Alentejo uma terra de progresso e de justiça.
Alberto Matos (Radio Pax)
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