O novo Código da Insolvência de Pessoas Singulares e Colectivas aprovado pelo Governo é mais um ataque aos trabalhadores e às vitimas do desemprego e das falências em Portugal!
Ano após ano, o número de falências das empresas tem vindo a aumentar, verificando-se diariamente o encerramento de mais empresas, com elevados custos sociais para milhares de trabalhadores e suas famílias.
Os créditos em dívida para com os trabalhadores crescem. Nalguns concelhos, as falências provocam situações alarmantes e de grande repercussão social, quando uma elevada percentagem da mão-de-obra local estava localizada em determinada empresa (muitas das quais tendo recebido inúmeros incentivos monetários e fiscais do Estado e da autarquia), para depois se verificar que depois de tudo sugarem, fecham a empresa para abrirem quase de imediato uma empresa ao lado com outro nome.
É necessário fazer face e pôr cobro a esta situação de impunidade, que tantos dramas sociais tem causado.
Em Fevereiro deste ano, a Sobreiro 19 entregou ao senhor Presidente da Assembleia da República uma petição com 6322 assinaturas, solicitando que a Lei que regula o Fundo de Garantia Salarial se aplique, pagando atempadamente aos trabalhadores vitimas de falências, e ainda que a actual Lei das Falências fosse alterada de modo a garantir a defesa dos direitos dos e das trabalhadoras, nomeadamente para que a actuação dos Tribunais seja mais célere e criminalizando os responsáveis pelas falências fraudulentas.
O novo Código de Insolvência de Pessoas Singulares e Colectivas que o Governo propôs em Maio e que acabou por ser aprovado já em Dezembro, no entender do Governo, vem de encontro às pretensões dos trabalhadores, e em sua defesa.
No entanto, uma leitura atenta desta lei depressa nos leva a concluir o contrário: a nova Lei do Governo deixa os trabalhadores menos protegidos, com ainda menos hipóteses de algum dia verem as indemnizações a que têm direito serem pagas, e por outro lado, agiliza e acelera o processo de encerramento das empresas por falência, em detrimento da via de tentativa de recuperação das empresas em situação económica difícil.
Esta lei começa por considerar apenas um processo de insolvência da empresa, em vez de considerar separadamente os processos de falência ou recuperação da empresa. Por outro lado, o número de recursos às decisões do Tribunal pelas partes envolvidas também diminui, o que faz com que haja maior celeridade na resolução do processo. Mas os poderes do Tribunal e do Juiz são diminuídos, em favor dos poderes da Assembleia de Credores ou da Comissão de Credores por esta eleita. Até a nomeação do Liquidatário Judicial, até aqui feita pelo Juiz, pode ser revogada por decisão da Assembleia de Credores, que pode até indicar alguém que não faça parte da lista de Liquidatários existentes.
É verdade que os trabalhadores têm direito a fazer parte da Assembleia de Credores, mas... com peso proporcional aos créditos a que têm direito, e em igual proporcionalidade com os restantes credores (Estado, instituições de crédito, fornecedores,...). As decisões (incluindo a nomeação do liquidatário judicial) são tomadas por maioria de 2/3 dos credores, desde que detenham 51% dos créditos.
Conclusão: nem o Tribunal nem os trabalhadores terão a última palavra a dizer
sobre o desfecho do processo, que será ditado pelos restantes credores.
Relativamente à graduação dos créditos, existe também um enorme retrocesso relativamente à anterior Lei: desde 1998 que as dívidas aos trabalhadores (salários em atraso, subsídios e indemnizações) são considerados privilegiados, isto é, são os trabalhadores os primeiros a receber. Na Lei agora aprovada, passam a ser considerados também como créditos privilegiados as dívidas ao Estado contraídas nos 6 meses anteriores à entrada do Processo de Insolvência. Esta situação era a que estava contemplada na Lei antes de 1998, verificando-se que na maioria dos casos não havia dinheiro para pagar aos trabalhadores, depois de pagas as dívidas ao Estado. A acrescentar a isto, passam a ser considerados também créditos privilegiados 1/4 dos créditos devidos ao requerente do Processo, ou seja, mais uma fatia retirada aos créditos dos trabalhadores.
Esta Lei fará com que os processos sejam resolvidos mais rapidamente, mas aponta para o caminho do encerramento das empresas, em desfavor da sua recuperação. Porquê? Porque é à Assembleia de Credores que cabe a decisão. Ora, do conjunto dos credores, apenas aos trabalhadores interessa a manutenção da empresa, em defesa dos seus postos de trabalho, pois aos restantes credores o que interessa é que as suas dívidas sejam pagas o mais depressa possível. É evidente para todos que um processo de falência conduz mais rapidamente à realização de dinheiro (através da venda da massa falida), do que um processo de recuperação da empresa.
Finalmente, a actual Lei, depois de definir criteriosamente os tipos de créditos e a sua prioritização, ou seja, depois de deixar mais ou menos claro que os trabalhadores são credores privilegiados (embora passem a fazer-lhes companhia o Estado e 1/4 dos créditos do requerente do processo, conforme já explicado acima), introduz um capítulo totalmente inovador, a que chama o Plano da Insolvência, que dá o dito por não dito em tudo o que está para trás na Lei.
Com efeito, este Plano de Insolvência pode decidir o plano de pagamento aos credores, após a venda da massa falida, e depois de aprovado prevalece em relação à graduação dos créditos prevista e definida na Lei. E quem aprova o Plano de Insolvência? A Assembleia de Credores, nos moldes já explicados neste texto!
Por tudo o que atrás se disse, a Sobreiro 19 considera que esta nova Lei é mais um ataque aos direitos dos trabalhadores, e da sua camada mais desprotegida, o cada vez maior exército de desempregados.
Não baixaremos os braços, e continuaremos a lutar em defesa dos direitos mais elementares dos trabalhadores.
Pelo direito ao trabalho!
Pela dignidade das pessoas!
Pela cidadania plena!
A Direcção da Sobreiro19 - Associação de Solidariedade com as Vítimas das Falências, 22 Dezembro 2003.
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