Discretamente e sem brilho, fundou-se o Fórum Social Português, acto que entre os dias 7 e 10 de Junho, em Lisboa, animou um conjunto variado de debates, palestras, workshops, actividades culturais, etc., e que culminou numa magra manifestação (cerca de duas mil pessoas).
Retrato vivo do (mau) estado da esquerda portuguesa, dos equívocos e as ambições hegemonistas dos partidos e das “personalidades” que animaram o processo e o inquinaram e com as suas mesquinhas disputas, o Fórum e a manifestação de encerramento, no dia 10, que acabou por ser duas – com tempos de partida e final de percurso diferentes -, deu uma imagem triste, mas real, da hipocrisia reinante: muitos sorrisos e públicas cordialidades, muitos apelos ao entendimento, à unidade e à participação desinteressada, encobrindo as disputas ferozes e sem grande verticalidade, os remoques de corredor, etc..
Pesem os esforços dos porta-vozes para salvar as aparências, tentando fazer passar uma imagem de êxito moderado, a verdade é que não conseguiram evitar um certo tom de chacota na imprensa nem o sentimento generalizado de frustração sentido por muitos dos participantes. O Fórum, não só foi totalmente ignorado pelo povo e muito pouca atenção despertou à comunicação social, como algumas das personalidades que o deveriam promover e dar-lhe notoriedade (Mário Soares, bispo D. Torgal Ferreira, etc.) resolveram não participar ao se aperceberem ao se aperceberem que este não estava à sua altura.
Dado o capital de simpatia de que gozam as lutas anti-globalização, o fracasso é merecedor de atenção. E não é preciso ser bruxo para perceber que o insucesso está intimamente ligado à forma como o processo de criação do FSP foi lançado e conduzido.
ARRANJOS DE CÚPULA
Contrariamente ao modelo que lhe serviu de inspiração, o Fórum Social de Porto Alegre, o português foi criado a partir de cima e sem participação popular. A sua criação não correspondeu a uma necessidade sentida pelos movimentos sociais. Antes teve a ver com as ambições de algumas personalidades e partidos da esquerda parlamentar (soaristas, sampaístas e católicos do PS, renovadores e BE) que sonharam capitalizar em proveito próprio o prestígio e a simpatia que as lutas anti-globalização despertam no nosso país. Daí que desde a primeira hora as diversas partes se tivessem envolvido em disputas intermináveis e de baixo nível pelo controlo político e partidário do processo, afugentando qualquer bem intencionado que por lá tenha aparecido. Do Fórum Social de Porto Alegre apenas captaram a orientação social-democrata e a recusa em acolher no seu seio os movimentos revolucionários e radicais anti-capitalistas que estiveram na origem do movimento anti-globalização, estigmatizados de “violentos” e “provocadores”. Do entusiasmo e adesão populares que caracterizam e dão fama ao seu homólogo brasileiro e aos movimentos anti-globalização, nem um traço – é significativo que a MANIFESTA, feita sem o apoio nem os recursos dos partidos políticos, mas construída a partir de baixo, tenha conseguido interessar e trazer a Serpa, uma vila do interior mais desamparado de Portugal, a margem esquerda do Guadiana, bastante mais pessoas que as mobilizadas pelo Fórum Social Português para Lisboa.
UM FÓRUM SEM IDEIAS PARA AS LUTAS SOCIAIS
Começando por adoptar inicialmente um discurso fortemente anti-partidos (leia-se anti-PCP) as reuniões consumiram-se em acesas disputas sobre o estatuto dos partidos políticos no Fórum e as personalidades que o deviam integrar, como figuras tutelares. Como tal postura estava a conduzir as coisas para um beco sem saída, inviabilizando a participação de organismos com representatividade e apoio de massas, como os sindicatos, colectivos anti-racistas, de imigrantes, ecologistas, mulheres, associações de estudantes, autarcas, etc. a presença dos partidos acabou por ser aceite. Não como sensatamente o faz o Fórum Social de Porto Alegre, que só lhes confere o estatuto de observadores, mas como membros de pleno direito.
Pautado pela ausência de discussão política e participação popular, o processo de constituição do Fórum nunca deixou de se alimentar das intermináveis e ridículas disputas em torno das personalidades mais “abrangentes” que encobriram a luta subterrânea entre partidos e facções pela conquista de posições e influência nas suas estruturas. E, significativamente, com os impasses daí resultantes a serem sempre resolvidos à custa da despromoção dos representantes das ONG e dos movimentos sociais, remetidos na prática para o papel de parvos úteis.
Ocupados com as sua guerras sectárias, e por via disso incapacitados de produzir qualquer documento orientador de discussão política e intervenção social, os promotores do Fórum Social Português têm-se limitado a adoptarem as orientações do Fórum Social de Porto Alegre e a acatar as directivas do Fórum Social Europeu e Mundial. Definindo-se como um “movimento de movimentos” que não toma posições políticas, e como um espaço de discussão e troca de experiências daqueles que recusam o capitalismo neoliberal, declara-se em sintonia com a retórica inscrita nos programas socais das democracias dos países ricos do ocidente: contra todas as formas de discriminação, a guerra, o terrorismo, o trabalho infantil, as agressões ambientais, e pelos direitos humanos, a promoção das mulheres, a taxa Tobim, etc.. Mas sem dizer o que se propõe fazer para combater os males que denuncia.
António Barata
Publicado no n.º 80 de Vez e Voz (Março/Julho 2003), boletim da Animar, Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Rural
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