segunda-feira, setembro 08, 2003

Declaração sobre a Quinta Conferência Ministerial da OMC em Cancoon (México), de 10 a 14 de Setembro de 2003

Rede Parlamentar Internacional

Nós, membros da Rede Parlamentar Internacional (RPI), criada no âmbito do Fórum Parlamentar Mundial de Porto Alegre (Brasil) , estamos muito comprometidos com a ideia de que outro paradigma económico e social é possível, para o comum benefício da maioria dos povos de todo o mundo.

Acreditamos que a ordem económica mundial actual, com as organizações da Bretton Woods a liderar os assuntos económicos e sociais por um lado, e a Organização Mundial de Comércio (OMC) (ver o Caderno Temático sobre a OMC) por outro, não permite alcançar esse nobre objectivo. Desde a criação da OMC em 1995, o abismo que separa os ricos dos pobres aprofundou-se dramaticamente. A “agenda de desenvolvimento” de Doha, acordada na quarta conferência ministerial em Novembro de 2001 na capital do Qatar, não merece em definitiva o nome que lhe deram.

Com a aproximação da Quinta conferência Ministerial a ocorrer em Cancoon (México), já nos próximos dias (entre 10 e 14 de Setembro de 2003), propomos um número mínimo de medidas que queremos ver incluídas na agenda da conferência. Comprometemo-nos ainda apoiar estas propostas nos debates parlamentares e nas resoluções que serão adoptadas antes da conferência e defendê-las durante o decorrer da mesma. São 10 as propostas a apresentar em Cancoon:

1. Garantir o controlo democrático.

O processo de negociação na OMC, que tem como consequência a adopção e implementação de acordos vinculantes, não pode ser apenas um assunto inter-governamental. As assembleias nacionais elegidas democraticamente devem ter um papel preponderante em todo o processo de negociação e na implementação dos acordos da OMC. A toma de posição relativa ao comércio deve ser discutida anteriormente no seio dos parlamentos e ser co-decidida pelas assembleias de todos os países membros da OMC.

2. Resolver em primeiro lugar todos os assuntos pendentes e só depois construir um consenso.

Ainda não chegou a hora de abordar novos tratados relativos a investimento, competição, mercados públicos ou regulamentação transfronteiriça (os chamados “novos temas” ou “temas de Singapura”). Não se pode aceitar o alargamento das competências da OMC sem antes se aprofundar e avançar em temas essenciais para o desenvolvimento sustentável. Há um grande número de questões pendentes desde a criação da OMC que ainda não foram suficientemente negociadas, decididas ou implementadas. A OMC não cumpriu nenhum dos prazos que se tinha proposto em matérias vitais como: (1) a implementação dos acordos passados; (2) o tratamento especial e diferenciado; (3) a propriedade intelectual e a saúde pública; (4) as modalidades na Agricultura, entre outras. O lançamento das negociações sobre os temas de Singapura alargaria as competências da OMC em benefício dos EUA e das suas empresas (assim como todos os países mais ricos), em detrimento dos países em vias de desenvolvimento.

3. Manter e fortalecer a cobertura dos serviços públicos.

As negociações sobre o comércio de serviços (AGCS –Acordo geral sobre comércio e serviços) põem em perigo o acesso aos serviços públicos. Nenhum pedido deveria ser imposto aos países, especialmente aos países em desenvolvimento, para que privatizem os seus serviços públicos, em particular o acesso à água, ao tratamento e distribuição da energia, à educação e à saúde. Alguns sectores de serviços, como a água e a saúde, têm uma importância chave nos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, já que afectam directamente (e dramaticamente) a vida diária das populações. Por isso é necessário um cuidado muito especial no tratamento destes temas.


4. O acesso aos medicamentos deve ser garantido, a saúde pública deve ser a prioridade.

Na conferência Ministerial de Doha, em Novembro de 2001, foi estabelecido um acordo relativo ao acesso aos medicamentos essenciais. Lançamos um apelo a todos os membros da OMC para que se baseiem neste acordo no que respeita ao tema primordial das licenças obrigatórias de importação (par. 6 da declaração sobre o acordo ADPIC e saúde pública). Neste contexto, recordamos que impor novas limitações como parte da solução do problema do par. 6 violaria o espírito da declaração e seria visto, com razão, pelos países em desenvolvimento, como prova de má fé. Cada país deve ter a possibilidade de produzir ou de importar medicamentos genéricos se necessitar deles para proteger a saúde pública dos sues habitantes.

5. Não às patentes sobre a vida.

Deve ser interdito patentear formas de vida para que seja possível preservar a biodiversidade, a segurança alimentar, e os direitos dos povos indígenas, constantemente assediados pelas grandes empresas multinacionais que querem apropriar-se dos seus recursos genéticos. Até agora, estas patentes estão ao abrigo do Acordo dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (ADPIC).

No entanto, o seu artigo 27.3b permite uma revisão das disposições relativas às patentes de formas de vida. Apoiamos os países em vias de desenvolvimento no seu pedido de implementação do artigo 27.3b, e em particular a posição adoptada pelo grupo de países africanos, pedindo que seja de uma vez por todas esclarecido que as plantas, os animais e os microorganismos não podem ser patenteados; que um sistema “sui generis” de protecção de variedades de plantas pode incluir sistemas que protejam os direitos intelectuais dos povos indígenas e das comunidades agrícolas; que o AGCS deve ser orientado de forma a ser compatível com a Convenção sobre a Biodiversidade e o Tratado da FAO sobre os recursos genéticos vegetais.

6. Proteger a independência dos acordos multilaterais ambientais (AMA).

A OMC é o único organismo dotado de poder para sancionar as suas regras. No entanto, isto não quer dizer que as suas regras estejam acima de qualquer outra norma internacional. As preocupações ambientais, por exemplo, não deveriam depender da OMC. A protecção do Meio Ambiente não é uma medida de distorção do comércio pelo que deve ser perfilhada pela OMC; são medidas necessárias para garantir o futuro de todos nós e das gerações vindouras. É por isso que nos opomos a qualquer alteração ou reformulação dos AMA para que estes se compatibilizem com a OMC, como está subjacente nas propostas dos EUA e da UE, propostas que foram liminarmente recusadas pela maioria dos participantes na cimeira de Joanesburgo.

7. Destacar a perspectiva da multi-funcionalidade da agricultura no Mundo.

Consumidores e produtores do mundo inteiro estão interessados no desenvolvimento rural, na protecção do meio ambiente e no tratamento condigno dos animais. O direito dos povos a alimentarem-se, a segurança alimentar e o acesso à água são fundamentais para o nosso futuro comum.

8. Responder às necessidades dos países em vias de desenvolvimento – abolir os subsídios à exportação.

Os subsídios e outros mecanismos de apoio à exportação (proteccionismo) distorcem a cadeia da produção agrícola. Na maioria das vezes servem apenas para aumentar os lucros dos grandes agro exportadores, pondo em perigo a sobrevivência dos agricultores tanto no sul como no norte. Apenas o desenvolvimento sustentável, e um comércio mais justo podem garantir a existência da agricultura e da segurança alimentar no futuro. Pedimos por isso que os subsídios à exportação sejam suprimidos em todos os países, em particular nos mais industrializados.

9. Melhorar os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras.

Apelamos aos membros da OMC para que respeitem as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) relativas aos direitos fundamentais do trabalho, em particular no que respeita a liberdade de associação entre trabalhadores e trabalhadoras. A regulamentação dos direitos sociais deve continuar a ser uma competência da OIT, e não pode ser usada com fins proteccionistas, nem como mecanismo de barreira comercial. Pedimos à OMC que respeite as decisões da OIT e que outorgue a este organismo o cargo de observador da OMC.

10. Aplicar sistematicamente os princípios da precaução e da sustentabilidade.

Não se pode aplicar as mesmas regras a partes desiguais. O comércio é um meio, não um fim em si mesmo. Com o objectivo de evitar efeitos negativos de futuros acordos, devem ser levados a cabo estudos de impacto relativos ao efeito das medidas adoptadas sobre a sustentabilidade (em todas as suas vertentes, social, económica e ambiental) antes de encetar as negociações.

Cada país deve conservar toda a liberdade de determinar o risco que pode existir no que toca à saúde e bem-estar dos seus cidadãos e do meio ambiente e de adoptar as medidas de precaução adequadas.

Traduzido por PP

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