Depois da Guerra
Francisco Férnandez Buey (13-07-2003; artigo completo aqui)
Publicado em La Insignia
“Nos debates recentemente verificados entre grupos, organizações e pessoas que mais activamente intervieram no movimento contra a guerra no Iraque foi possível vislumbrar um certo desencanto. Razões existirão, certamente, para a manifestação de tal sentimento”
“Mas, poder-se-á concluir daqui que faltou coerência, compromisso com os mais pobres do mundo, que transbordou utopia e/ou instrumentalização política das manifestações e dos protestos em geral? A resposta é não. O movimento anti belicista dos últimos meses foi, em parte, expressão de um sentimento de repúdio elementar e moralmente muito respeitável, contra os previsíveis desastres da guerra, daí o ter alcançado uma dimensão tão ampla. Mas foi também a continuação e válvula de escape de um movimento mais extenso, do movimento dos movimentos contra a globalização parcial e unilateral, contra o novo imperialismo que se centra agora no domínio dos principais recursos não renováveis do planeta, na militarização das zonas estratégicas do mundo e no intento de homogenalizá-lo culturalmente; e, por isso, alguns dos representantes dos grandes media norte americanos chamaram a atenção sobre a sua importância no futuro. E, em Espanha, o movimento anti belicista foi, por fim, a expressão do mal-estar que produz, em sectores muito importantes dos cidadãos, a subordinação do partido do governo aos desígnios hegemonistas da Administração Bush.”
“Diferentemente dos partidos políticos do hemiciclo parlamentar, que dizem ganhar sempre, aconteça o que acontecer, nos movimentos sociais críticos e alternativos dizer a verdade, ainda que custe e seja doloroso, e ainda que pareça, num primeiro momento, prejudicar o estado de ânimo dos cidadãos que precisam ser mobilizados, continua a ser um princípio de actuação que deve ser partilhado. O pior que pode acontecer a um movimento de raiz social, como o foi o movimento contra a guerra, é entrar pelo cinismo vulgar dos que ganham sempre, chova ou faça sol. Proceder desse modo é começar a ser como os outros. E será o princípio do fim de todo o movimento social são, crítico e alternativo.”
“Esta convicção está na base de muitos dos actos e manifestações contra a guerra que foram intensamente vividos durante os últimos meses. Muitas pessoas jovens e adultas se mobilizaram nas escolas, nos bairros, nos locais de trabalho, não só contra a guerra em geral, contra os bombardeamentos, contra as sanções e contra a invasão do Iraque, mas também contra as mentiras – e isto é essencial – daqueles que fazem as guerras de conquista e dizem fazê-las em nome da liberdade, da democracia e da civilização. Nestas circunstâncias o número das pessoas que estão dispostas a sair à rua tem tendência a aumentar proporcionalmente à percepção da institucionalização de mentira. Desta vez houve muita gente disposta a manifestar-se precisamente porque, além do repúdio da guerra, a percepção da grande mentira era muito grande.”
“Nessa direcção é possível obter uma explicação mais plausível do equívoco ou do paradoxo segundo o qual os jovens não querem saber nada da política, enquanto, ao mesmo tempo, cada vez existem mais jovens comprometidos com os movimentos sociais e as ONG’s. O equívoco está na representação especulativa do que podemos ver: os meios de comunicação que escrevem sobre este assunto entendem por política apenas a política institucionalizada, quase sempre politiqueira ou diplomática, enquanto as pessoas organizadas nos movimentos sociais críticos e alternativos pressentem que há uma outra forma de fazer política, se bem que nem sempre a designem por esse nome: intervir activamente, e desde a base, nos assuntos sócio-culturais da polis, da cidade, do Estado, do mundo, dizendo com clareza o que se quer mudar e porquê.”
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