domingo, julho 20, 2003

Homossexual e o trabalho

Por Jaques-Jesus
O preconceito e a discriminação podem -se mostrar em milhares de matizes, todas aproveitáveis no desenvolvimento de ensaios e teses quanto às formas de enleamento das pessoas a suas falsas premissas e terríveis conclusões. À guisa de prefácio, desenvolve-se este ensaio a partir da análise da dimensão da diversidade cultural menos discutida, porém mais controversa dentre todas.

Quantos debates, actualmente, são tão demasiadamente polêmicos quanto os que se referem aos direitos dos homossexuais? Não muitos, perceptivelmente. Os conflitos ideológicos explosivos que são acarretados devido a sua discussão aberta ,nem sempre receptiva costumam prender-se a preconceitos, mitos e questões pessoais mal resolvidas.

Deve-se atentar para o facto de que o fundamento perpetuador de toda exclusão se encontra na própria sociedade, a qual reforça comportamentos machistas, sexistas, homofóbicos, racistas e elitistas, simplesmente porque não recrimina, pune ou denigre atitudes agressivas contra as minorias, seja verbal ou fisicamente.

Nesse sentido, pode-se apontar não somente para a responsabilidade dos órgãos e autoridades governamentais quanto ao bem-estar dos grupos social e historicamente discriminados, aponta-se, igualmente, para a responsabilidade do sistema educacional, dos meios de comunicação, do empresariado e, até mesmo, do Sindicalismo considerado mais activo e revolucionário.

Trabalha-se literalmente para perpetuação do preconceito.

É preciso, o quanto antes possível, compreender as actuais mudanças, a nível global, relacionadas ao novo paradigma do emprego. A opressão sobre os homossexuais, no trabalho, está enraizada no modo como o mesmo está estruturado e organizado. O problema não se restringe, simplesmente, a que muitas pessoas tenham idéias erradas sobre a vivência homossexual, mas que essas idéias reflitam o modo pelo qual as relações empregatícias se organizam.

A importância da família nuclear para o capitalismo e a ameaça que a emancipação homossexual representa para a família enquanto base da perpetuação do capitalismo como denunciou Engels em" A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado" (autor, aliás, homofóbico) significa que a opressão sobre gays, lésbicas, bissexuais e travestis é um resultado inevitável das relações exploradoras de trabalho.

A história da emancipação homossexual no trabalho e nos sindicatos está vinculada, em uma perspectiva marxista, à História da luta de classes. É interessante denotar que o movimento socialista, em seus primórdios, via a luta pela libertação dos homossexuais como uma parte necessária da luta pelo socialismo, em outros momentos históricos, entretanto, esse posicionamento mudou radicalmente.

O que se pretende demonstrar é que os oprimidos não podem alcançar a “libertação” sozinhos. As divisões de classes, principalmente a divisão da classe cujo amor “não ousa dizer seu nome” (como a denominou, no século XIX, o escritor Oscar Wilde), perpassa a história e a prática do que chamamos de sindicalismo, ou seja, a emancipação homossexual é uma questão de organização de uma classe.

Lésbicas e Gays da classe trabalhadora são os mais oprimidos, aqueles que mais sofrem os preconceitos e as perseguições, os que foram mais excluídos das reformas e ganhos dos anos 60, 70 e daí até hoje. O movimento social organizado defensor dessa população discriminada falhou em apreciar esse problema e enfim superá-lo. Todos as outras populações alijadas dos privilégios da elite sócio-econômica sofrem da mesma síndrome e, sendo realistas, não devemos esperar uma panacéia. A divisão fundamental que existe na sociedade, incluindo a comunidade homossexual, é a divisão em classes.

É difícil para a maioria dos homossexuais ver, na interação com a classe trabalhadora, uma das saídas para conquistar sua emancipação, isso decorre da alienação política historicamente semeada e defendida, mesmo indiretamente, por aqueles que objetivam impossibilitar a coerência, organização e consciência grupal de toda e qualquer minoria.

Um exemplo especialmente inusitado de como a organização trabalhista pode mudar a condição precária de respeito e valorização às minorias foi uma greve de mineiros ingleses em 1984. Tal sector da classe trabalhadora, formado exclusivamente por homens que, antes da greve, dificilmente agiriam contra a tradição reacionária relacionada à sexualidade, organizou um grupo de apoio à greve formado por homossexuais, o qual levou uma delegação de mineiros a encabeçar, com o estandarte da mina que representavam e com uma banda musical, a manifestação pelo Orgulho Gay de 1985.

A experiência dos mineiros levou-os a apoiar os direitos de Gays e Lésbicas, sendo que muitos mineiros assumiriam a sua homossexualidade. Mesmo uma greve assim, que foi derrotada, mostrou como a experiência da luta pode superar idéias reacionárias.

As mudanças não são automáticas. O contra-discurso tão-somente possibilita a transformação das idéias. Eis a razão porque é necessário organizar os sectores mais avançados da classe trabalhadora, isto é, os sindicatos, para argumentar e conquistar a indiferença dos trabalhadores, a fim de mostrar a necessidade da emancipação homossexual e discutir com Gays e Lésbicas a importância de lutar por melhores condições nas relações de emprego e trabalho.

A criação e regulamentação de leis específicas às necessidades e interesses da população homossexual é um indício das mudanças que vêm ocorrendo, e das que ainda hão de acontecer no campo do reconhecimento, por parte do poder público, dos direitos dos grupos sócio-historicamente discriminados.

O discurso científico tem a função de “trazer à tona” não apenas os conteúdos latentes ao silêncio quanto ao assunto (tampouco coadunar com o palratório infundado de mitos que abundam me toda parte), mas, igualmente, a discussão basilar para qualquer mudança que se queira séria. Enfim, o tema é polêmico porque está aberto ao debate.

Jaques-Jesus, psicólogo, Poeta e Escritor. É colaborador da Novae do site do Grupo Gay da Bahia
AS

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