segunda-feira, junho 16, 2003

Isto é uma experiência (científica).

As luzes e as ideologias

Muitas vozes levantam-se em defesa das ideologias e democracias ocidentais, que nasceram justamente com o iluminismo. Apesar do iluminismo ter sido uma ruptura profunda com o passado, não trouxe só progresso à civilização. O problema é que este século marcante pelo seu enorme desenvolvimento científico, teve como corolário a implantação do determinismo, onde os cientistas (ou filósofos naturalistas: daí os PhD) achavam que todo o cosmos funcionava com a perfeição de um relógio, onde bastava conhecer as regras do seu complexo mecanismo para poder prever o futuro. Ou seja, conhecendo as regras do jogo, passamos a ser os detentores da verdade absoluta. Houve alguns cientistas que disseram mesmo que tudo já estava descoberto e que as próximas gerações tinham que se dedicar a problemas menores, tipo inventariar novas estrelas e catalogar algumas espécies de plantas.... Mas no séc XX, este determinismo caiu por terra, sendo substituído pelo indeterminismo matemático, onde cada fenómeno ou cada regra é acompanhado por uma probabilidade e não por uma resposta absoluta. O paradigma deste indeterminismo reside na impossibilidade de prever exactamente a órbita terrestre, já que a presença de um electrão a milhões de anos de luz tem um efeito (mínimo, infinitesimal) sobre esta órbita. Isto quer dizer que os cientistas chegaram à conclusão que se podiam aproximar das verdades mas nunca alcançá-las, já que o número de factores que contribuem para um determinado fenómeno é de tal forma grande que é impossível ter a certeza que estão todos contabilizados na nossa linda equação. Enquanto que a ciência evoluiu, tornando-se mais humilde e consciente das suas limitações, as ideologias estagnaram, acreditando como os cientistas do sec XIX que são as detentoras da verdade absoluta. Ou seja, o iluminismo, apesar de conotado positivamente no imaginário ocidental, trouxe com ele o dogmatismo científico, e por arrastamento, o dogmatismo ideológico. Só quando o indeterminismo passar a ser integrado nas ideologias, para que estas se moldem aos milhões de factores que constituem as sociedades humanas, é que poderá existir um progresso real nas democracias modernas. A ciência evoluiu mas as ideologias não: os políticos dos diferentes partidos (como os filósofos de antanho) continuam a acreditar que apenas o que eles defendem pode funcionar, esquecendo que todos os sistemas são dinâmicos, e que a realidade de hoje já nada tem a ver com os factores que levaram à estruturação destas ideologias no séc. XIX. Se alguém dissesse em pleno feudalismo que a monarquia não funcionava, seria rapidamente desacreditado, muito provavelmente perdendo a cabeça no processo. Hoje em dia, o liberalismo também raramente é contestado (assim como na União Soviética o comunismo não podia ser contestado), mas o seu dogmatismo emana directamente do iluminismo; o neo-liberalismo acabará inevitavelmente por sofrer uma erosão cada vez maior dos múltiplos factores excluídos da sua lógica, ou então adapta-se continuamente a novas realidades, deixando de ser o que é. Para quando, a humildade do indeterminismo nas ideologias de hoje?

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